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De pernas para o ar

28 de Setembro de 2019 às 00:01

O voto da maioria dos membros do Supremo Tribunal Federal na sessão realizada na última quinta-feira sobre a obrigatoriedade de as alegações finais do réu delatado serem entregues depois das do réu delator, deixou os cidadãos que acompanham o caso absolutamente preocupados. O presidente da Corte, Dias Toffoli, que também concorda com a tese, suspendeu a sessão diante dos estragos que a decisão final poderá fazer, tanto no campo jurídico, como no campo moral e na autoestima dos brasileiros, pelo potencial de demolição da Operação Lava Jato.

A tese que está em vias de ser aprovada foi acatada pela primeira vez há algumas semanas, quando a Segunda Turma do STF anulou a condenação de Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras, que por sinal foi preso pela Polícia Federal em julho de 2017 em um condomínio de Sorocaba. A decisão para Bendine serviu de base para pedido de habeas corpus votado no STF na última quinta-feira, que estendeu o benefício ao ex-gerente da Petrobras Marcio de Almeida Ferreira. Sua defesa seguiu a linha de que ele sofreu grave constrangimento ilegal por não poder apresentar as alegações finais depois da manifestação dos réus que colaboraram com a Justiça.

Esse é o maior golpe que a Lava Jato já recebeu. Abre brechas para a revisão de uma infinidade de processos. A Lava Jato vem acumulando derrotas este ano, tanto no STF como no Legislativo. A anulação da condenação de Bendine foi apenas uma delas. A aprovação de regras mais duras para a Lei de Abuso da Autoridade foi outro golpe que prejudicará a operação, pois dificultará as investigações e o processo penal. Outra derrota imposta à operação foi quando o STF decidiu, no mês de março, que a Justiça Eleitoral seria a instância competente para julgar casos de crimes comuns conexos com eleitorais, o que provocou uma série de envios de processos do Ministério Público Federal do Paraná para a Justiça Eleitoral. No Legislativo, a derrota mais recente foi a derrubada de vetos do presidente Bolsonaro, no Senado, no pacote de leis contra a corrupção e o crime organizado.

A tese que obteve a maioria dos votos no STF na sessão de quinta-feira poderá levar à anulação de uma grande quantidade de sentenças impostas pela Lava Jato e, dessa maneira, beneficiar condenados como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, entre outros réus condenados em processos já julgados com delatores. Na opinião dos procuradores que trabalham na Lava Jato, se o entendimento for aplicado nos demais casos, praticamente todas as condenações poderão ser anuladas, com consequente prescrição de inúmeros crimes e a libertação de réus presos.

Sete dos 11 membros da Corte já aceitaram o entendimento, o que inclui o presidente, que antecipou seu voto, mas decidiu concluir a análise somente na próxima quarta-feira, quando a composição da Corte estiver completa. A divulgação de que o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de que compareceu armado ao STF com intenções de matar o ministro Gilmar Mendes só serviu para deixar o clima mais pesado na Corte.

Pesa agora sobre Toffoli a responsabilidade de definir como o entendimento será aplicado nos demais processos e fixar critérios para eventual anulação de condenações. Muitos temem que a decisão possa provocar o retorno dos autos à primeira instância, para que sejam reiniciados e novamente submetidos a julgamento. Anular as conquistas da Operação Lava Jato, considerada uma das mais bem-sucedidas ações contra os crimes de colarinho branco seria uma tragédia. Ela começou em 2014 e ainda avança. Ao longo desses anos, denunciou 441 pessoas por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Desse total, 159 pessoas já foram condenadas nas 66 fases da operação. Foram cumpridos mais de 1.200 mandados de busca e apreensão. A operação conseguiu recuperar quase R$ 4 bilhões dos R$ 14 bilhões previstos em acordos de leniência, delações premiadas e outros tipos de devolução negociados.

Em pronunciamento sensato na sessão do STF, o ministro Luís Roberto Barroso sugeriu uma solução alternativa para preservar a Lava Jato. Se for vitoriosa a tese de que a regra processual seja ouvir os delatados por último, o ideal seria não anular sentenças que seguiram o modelo anterior. Ele sugere que a nova interpretação seja aplicada apenas para casos futuros, pois não se pode anular decisões judiciais com base numa norma processual nova.

As pessoas honradas deste País, aquelas que abominam a corrupção, a roubalheira e todas as suas nefastas consequências, esperam que o bom senso prevaleça na decisão final da Corte na próxima quarta-feira.