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Da roça para a mesa

17 de Abril de 2020 às 00:01

O surgimento do novo coronavírus na China no final do ano passado trouxe muita preocupação para o agronegócio brasileiro.

Afinal, o novo vírus, que deu origem em pouco tempo a uma pandemia, afetou primeiramente o país asiático, o maior parceiro comercial do Brasil nesse ramo de negócio.

Desde o início da epidemia, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) monitora com preocupação seus efeitos no Brasil e nos mercados consumidores de nossos produtos.

Boletim elaborado há mais de um mês pela entidade já mostrava reflexos negativos principalmente para frigoríficos que fornecem aves, camarões e suínos.

O mercado do boi gordo também sentiu o impacto e a exemplo dos frigoríficos também está reduzindo o número de funcionários ou dando férias coletivas.

Ao mesmo tempo, a entidade registra aumento nas vendas de grãos, alimentos e óleos para a China, o que mostra que é muito provável que o volume de negócios aponte para a normalidade dentro de pouco tempo, principalmente nas transações com aquele país.

Mas se no mundo macro da agricultura e pecuária, dos grandes negócios internacionais, a pandemia afeta o comércio entre países, no mercado interno e regional o impacto também é forte.

Desde o início, a quarentena afetou negativamente os negócios das grandes centrais de distribuição de alimentos.

Já no final de março, a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) registra queda em São Paulo, onde está o maior entreposto de frutas, legumes e verduras do País.

Naquele período inicial da quarentena, os comerciantes registraram queda de 60% nas vendas.

Hoje essa queda é maior e metade dos donos de boxes, segundo os produtores, sequer está abrindo seus estabelecimentos.

Os permissionários têm realizado rodízio entre seus funcionários e muitos deram férias à maioria deles, por falta de movimento no entreposto.

Na Ceasa de Campinas, outro grande entreposto do gênero, o movimento comercial também caiu drasticamente.

Desde o início da quarentena, a central de abastecimento suspendeu o funcionamento do mercado de flores, plantas e acessórios e limitou o funcionamento do varejão e feira de orgânicos.

A queda no movimento dos entrepostos de abastecimento ocorre em razão direta do fechamento de restaurantes, lanchonetes e principalmente de cozinhas industriais de grandes empresas.

A merenda escolar de muitos municípios também está paralisada e nem todos os restaurantes conseguem se adaptar ao sistema de entregas.

Somente supermercados e assemelhados mantêm um nível estável de vendas de frutas, verduras e legumes, pois a quarentena está obrigando as pessoas a fazerem suas refeições em casa.

A queda nas vendas nos entrepostos tem reflexo direto nos produtores.

Em Sorocaba, não temos grandes propriedades produtoras de soja e grãos para mercado interno e exportação, mas em compensação as propriedades rurais de pequeno e médio porte são grandes produtoras de hortifrútis e abastecem principalmente a Ceagesp paulistana.

Como mostrou reportagem publicada na edição de quinta-feira do Cruzeiro do Sul, produtores de hortaliças e frutas de Sorocaba e Piedade têm perdido até 50% da produção desde o início da crise causada pelo novo coronavírus.

O fechamento de comércios e restaurantes é apontado como o principal fator na queda da venda dos produtos.

Entre os afetados estão os associados da Cooperativa Mista do Bairro Caguaçu, na zona rural de Sorocaba, pois não há procura suficiente pelos produtos, e os preços baixos desestimulam a colheita.

Somente parte da produção é repassada para intermediários a preços irrisórios, na opinião dos produtores.

A maior parte dos produtos agrícolas da região é encaminhada para a Ceagesp de São Paulo, onde somente a metade das bancas está funcionando.

A situação chegou a um ponto que parte da alface pronta para a colheita está sendo transformada em adubo, por conta dos preços baixos e falta de compradores.

No médio prazo, os produtores temem que cada vez menos proprietários cultivem hortifrútis na região.

Diante da baixa lucratividade e de problemas de escoamento, cada vez mais produtores passam a trabalhar na indústria ou em outros setores, abandonando a lavoura.

Em épocas de dificuldades, a criatividade ajuda muito.

Em Piedade, município que tem grande e variada produção de hortifrútis, uma produtora resolveu criar sua própria “feira delivery” com pedidos feitos pelas redes sociais.

Ela se uniu a produtores vizinhos para fornecer cestas completas de alimentos que são entregues nas casas dos consumidores.

As ofertas também são publicadas no Facebook para facilitar a vida das pessoas que estão em isolamento social e não querem sair para fazer compras.

Esse tipo de entrega “da roça para a mesa”, embora com suas limitações, pode ser o embrião de um novo tipo de negócio que a pandemia -- e as dificuldades que ela trouxe -- forçou os produtores a criar.