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Editorial: Crônica de um estelionato anunciado

29 de Julho de 2018 às 11:28

O ano eleitoral é um ano de promessas.

Promessas para atrair a atenção do eleitor -- e, possivelmente, a atenção de você, leitor -- devem ser boas e atraentes em sua mensagem, se possível contada de forma otimista, com imagens bonitas e saudáveis. Melhor ainda se forem mensagens de realização de esperanças e sonhos.

As promessas eleitorais não surgem por acaso. Os institutos de pesquisas sabem muito bem das expectativas da população, por idade, por região, por grau de instrução, por sexo. Dessas pesquisas são extraídas mensagens e formatos que podem ser dirigidas à população ou a um segmento dela, como para uma região do País.

Uma mensagem sobre uma facilidade na aposentadoria não surge por acaso. Outra, sobre como melhorar a segurança também não. Uma frase de efeito que conote autoridade não é gratuita. São mensagens que refletem expectativas, desejos do eleitor.

Existe um ranking de tendências, de temas que mais afligem a população, seja por região, seja por um quadro nacional. Ainda assim, segurança, emprego, saúde, educação, transporte estão entre os prioritários.

Entra aí nesses temas -- ou issues, como dizem os americanos -- o pacote que embala e coloca uma fita bonita para entregar cada mensagem ao potencial eleitor: a voz suave feminina, imagens de crianças saudáveis na escola moderna, ágeis e bonitos aposentados desfrutando de merecida aposentadoria na praia, hospitais com médicos e enfermeiras modelos, policiais bem equipados sorrindo na travessia escolar, famílias felizes viajando por estradas modernas. Um país feliz. Um candidato feliz. Ou felizes, como os que surgem oficialmente esta semana os cerca de 12 candidatos a presidente da República, dependendo como se faça a conta.

Nem sempre existe felicidade, no entanto. Há 16 anos, portanto uma geração de jovens eleitores que pode estrear seu voto este ano, em 2002 o então candidato José Serra disputou a eleição presidencial com Luiz Inácio. Serra perdeu.

Para alguns que ainda conseguem se lembrar ou tenham tido a pachorra de assistir à campanha eleitoral na tevê daquele ano, talvez se lembre, meio que vagamente, de duas mensagens distintas de cada candidato. Pragmático e sombrio como ele próprio, Serra era a dura realidade do que o País teria que enfrentar para seu ajuste de contas. O outro, Luiz Inácio, um país moderno, de esperança. Serra perdeu.

Assim é a cabeça do eleitor, de nós eleitores. Queremos a esperança e não a triste, fria, realidade. "Eu quero a esperança de óculos, meu filho de cuca legal..." como cantava Elis Regina com a música de Zé Rodrix. E para o ano de 2019 em diante não há esperança, não há um futuro bonito.

Qualquer candidato presidencial em 2018 sabe disso. Qualquer economista mediano que tenha feito algum plano econômico para sua plataforma política sabe que a partir de janeiro os ajustes terão que ser feitos na economia, passando pelo sistema de tributação, pela reforma da política e a mais impopular, a reforma da Previdência. "Duela a quien duela", como já disse com seus parcos conhecimentos de espanhol um ex-presidente de triste figura.

Até agora a discussão nesta campanha tem sido de rasos slogans, frases de efeito ou sobre questões jurídicas de discussões no STF, este sim um corpo estranho e cada vez mais poderoso nos rumos do futuro do país, sem que dê um exemplo de compostura regimental. Entre os candidatos não existe um único estadista, com visão de futuro, que possa direcionar a nação a um destino seguro, a um rumo de união fraterna, a igualdade de sacrifícios ou de benesses.

Percebe-se uma discussão de meninos em hora de recreio, com os valentões a disputar seu espaço e os mais quietinhos a esconder-se para buscar novas amizades de forma pouco exemplar, sem qualquer programa de governo. Sem qualquer menção sobre as dores que nos aguardam. E sobre os curativos e remédios necessários.

Quando a ex-presidente Dilma conseguiu a reeleição em 2014 sobre Aécio Neves, com promessas que não conseguiria cumprir, não causaram surpresa as palavras do, então, seu criador, o eleitor de "postes", o ex-presidente Luiz Inácio que confirmou publicamente: "tivemos problemas políticos sérios que nós temos que encarar e todo mundo sabe que nós temos. Nós ganhamos as eleições com um discurso e depois das eleições nós tivemos que mudar o nosso discurso e fazer aquilo que a gente dizia que não ia fazer". O que poucos se dariam conta seria do grande precedente -- ou hábito -- que estaria criando então e que vai se repetir este ano: o estelionato eleitoral, como foi amplamente comentado em todas as esferas neste País.

E é isso, exatamente, o que vemos acontecendo em 2018. Promessas vazias, realidade dura, candidatos de língua vã, mensagens de encantadores de serpente.