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Chuva boa e ruim

19 de Dezembro de 2020 às 00:01

O temporal que desabou sobre Sorocaba no final da tarde de ontem chamou atenção pela intensidade e inúmeros transtornos causados. Raios, trovoadas e ventania foram o prenúncio de uma chuva pesada que castigou a cidade justamente na hora do rush e numa sexta-feira. Foi a “receita perfeita” para um pequeno caos. A chuvarada trouxe alagamentos e deixou o trânsito caótico em muitos pontos, com ruas intransitáveis, avenidas travadas e alguns acidentes. O transtorno foi grande. Alguns locais ficaram inacessíveis e com lama em ruas, calçadas, passagens e pontes.

Nessas horas os problemas ficam evidentes, sobretudo os alagamentos crônicos, como os da avenida Armando Pannunzio, por exemplo. Os arredores da cidade também sofreram. Na estrada Sorocaba/Iperó, a ponte perto do bairro Cruz de Ferro, junto ao córrego do Lampinho, foi tomada de água. A passagem dos carros ficou bem comprometida por conta do aguaceiro.

Tais situações precisam servir de alerta ao Poder Público. Entra ano, sai ano, e temos os mesmos problemas nos mesmos lugares. São tantos episódios recorrentes que aparentam descaso das autoridades. Não seria possível mapear esses pontos críticos e atuar para que numa próxima tempestade isso não ocorra?

Evidentemente que a culpa disso não pode recair apenas sobre os órgãos públicos. O cidadão também tem sua parcela de responsabilidade. É dever de todos não descartar lixo de forma incorreta para que não entupa bueiros e tubulações. É dever de todos não fazer construções irregulares, em áreas impróprias. É dever de todos preservar o meio ambiente, mananciais, córregos, rios.

E por incrível que possa parecer, esse tipo de chuva deve ser saudado pela população. Sim, afinal, isso pode resolver um sério problema que muitas cidades e regiões passaram a enfrentar nos últimos anos: a escassez de água. Muita gente pode ficar surpresa e perguntar: “Mas como, se temos tido quase que diariamente uma chuva forte no fim do dia?”. Simples. Diferentemente de ontem, o que temos vivenciado nessas últimas semanas são pancadas fortes, sim, mas nem de longe suficientes para repor os volumes de água que os reservatórios naturais precisam.

Por exemplo, a represa de Itupararanga, que abastece 80% de Sorocaba, estava até a semana passada com um nível menor do que o normal para a época do ano. Apesar do esclarecimento de que não há risco iminente de desabastecimento de água na cidade, no dia em que a reportagem do Cruzeiro do Sul esteve no local, o cenário assustava. O nível era visivelmente baixo em muitos pontos. Áreas com terra, onde deveria haver água, também eram aparentes em muitos pontos da represa. Como a informação sobre o nível da Itupararanga não é disponibilizada de forma imediata e ao vivo -- diferentemente das represas sob a administração da Sabesp --, não é possível acompanhar a evolução no dia a dia. No último dia 10, por exemplo, a represa apresentava 34% da sua capacidade, considerado o menor índice dos últimos seis anos, de acordo com a Votorantim Energia, que administra o local. A Itupararanga registrou capacidade abaixo de 34% apenas em 2000, 2003 e 2014 -- justamente o ano de uma das piores crises hídricas da região. Para efeito de comparação, em 2019, neste mesmo período, a represa estava com 50% da capacidade. Com relação ao volume de espera atual, ou seja, abaixo do normal, a Votorantim Energia diz se tratar de uma ação operacional comum, sem motivos para preocupação, em que o reservatório se prepara para o período úmido com ações de segurança para o amortecimento das cheias. Já que as demais represas de Sorocaba apresentavam uma média de 40% da capacidade total.

Entretanto, a situação de aparente tranquilidade de Sorocaba não é fato em outras cidades da região metropolitana. Itu, que sofreu com a crise hídrica de 2014, voltou a enfrentar o drama no abastecimento. Sem outra possibilidade, o ituano se depara novamente, apesar de investimentos e mudanças na gestão, com rodízio de água. Não bastasse isso, a cidade ainda sofre com mudanças na sistemática adotada pela Companhia Ituana de Saneamento (CIS). Recentemente a instituição anunciou alterações no rodízio. A alegação é de que as medidas servirão para preservação de mananciais e ajuste do sistema. Foram feitas alterações de abastecimento nas regiões Central e Pirapitingui. A CIS adota sistema que abastece os bairros de forma alternadas, dia sim, dia não. Os caminhões pipa nas chamadas pontas de rede -- últimas casas que recebem água -- também precisaram ser acionados.

Uma das causas para esses volumes abaixo do normal nos reservatórios é a estiagem na região. Segundo o Satélite Somar da Defesa Civil Estadual de São Paulo, Sorocaba registrou 826,8 milímetros de chuva de 1º de janeiro a 11 de dezembro. A quantidade representa 62,1% da média histórica anual de chuva esperada na cidade durante o ano, que é de 1.330 milímetros. Portanto, que a chuva venha com frequência, consistente e em boa quantidade. Não precisa vir tão nervosa como na tarde de ontem, mas será muito bem vinda com visitas “comportadas”.