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Carinho contra a falta de um plano

29 de Janeiro de 2021 às 01:45

Nesta semana, uma foto de um enfermeiro abraçado a um paciente com síndrome de Down enquanto lhe dava oxigênio, na cidade de Caapiranga, interior do Amazonas, viralizou e causou comoção nas redes sociais.

O gesto do profissional de saúde foi para tranquilizar Emerson Junior Loureiro, 30 anos. Diagnosticado com Covid-19, o rapaz estava com medo de colocar a máscara para aspirar o oxigênio.

A situação foi mais um retrato da falta de critérios em relação aos grupos prioritários durante a epidemia no Brasil. Seja no atendimento como na vacinação.

Logo na primeira semana de imunização, por exemplo, o País viu, estarrecido, diversos casos de fura-filas e pessoas sendo vacinadas indevidamente. Não é difícil descobrir um dos motivos.

A partir do momento em que não se tem um plano nacional claro e definido de combate ao vírus, surgem situações como essa.

Em relação aos pacientes com deficiência, o quadro é ainda mais alarmante. Estudo feito pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e publicado na reconhecida Revista Science, mostrou que a Covid-19 é dez vezes mais mortal em pacientes com síndrome de Down.

A mesma análise já havia sido publicada em outubro na revista científica Annals of Internal. Outro estudo inglês, desta vez desenvolvido pelo Public Health England, o Sistema Público de Saúde da Inglaterra, revelou que a taxa de mortalidade por Covid-19 em pessoas com deficiência intelectual no país é quatro vezes maior que a média da população em geral.

Ou seja, então é óbvio que as pessoas acometidas pela síndrome de Down estão nos grupos prioritários, certo? Errado. Nem mesmo o fato de existir a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) -- que determina que o poder público reconheça as pessoas com deficiência como vulneráveis e obriga o Estado a adotar medidas de proteção em caso de situação de risco, emergência e calamidade pública -- foi suficiente para garantir os direitos dessas pessoas por aqui.

Apesar de o Brasil ser referência mundial na criação de leis que defendem os direitos das pessoas com deficiência, ainda existe uma grande distância entre a lei existir e ela ser efetivamente cumprida.

No estado de São Paulo apenas as pessoas com deficiência com mais de 18 anos que vivem em instituições de longa permanência foram inseridas no grupo prioritário que irá receber a vacina na 1ª fase.

O assunto gerou repercussão em vários países do mundo, nos quais autoridades epidemiológicas passaram a refletir sobre a vacinação prioritária para pessoas com síndrome de Dow e Transtorno do espectro autista, além de considerar todas as pessoas com deficiência intelectual como grupo prioritário.

Para que LBI fosse fiel mente cumprida, todas as pessoas com deficiência deveriam ser incluídas no grupo prioritário. Segundo dados do IBGE, o Brasil tem cerca de 50 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência (24% da população). Um número exagerado? Sim.

Mas é possível fazer uma filtragem para se chegar ao total de pessoas que realmente seriam consideradas deficientes. Um caminho seria usar parâmetros do conhecido Grupo de Washington, que estabelece um panorama nacional e internacional da produção de indicadores sociais:

O grupo de pessoas com deficiência contempladas neste caso seria de 17,4 milhões de pessoas (8,3% da população total). Ao menos este grupo deveria ser prioritário, claro.

Um balde de água fria nas pretensões das pessoas com deficiência e seus cuidadores ou responsáveis foi jogado pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF) na quarta-feira (26).

Em decisão provisória, ele indeferiu o pedido que obrigaria o governo a considerar todos as pessoas com deficiência como grupo prioritário na vacinação contra a Covid-19.

O pedido foi feito pelo Podemos, numa ação de descumprimento de preceito fundamental. Entre outros argumentos, o partido havia alegado que o atendimento prioritário previsto na Lei Brasileira de Inclusão (nº 13.146/2015) abarca também, caso específico da pandemia, “o recebimento prioritário de vacinas, cuidados intensivos em salas de UTI e no uso de respiradores”.

Lewandowski considerou o pedido amplo demais para poder ser atendido. O ministro já havia negado a mesma solicitação à Federação Brasileira de Associações de Síndrome de Down (FBASD).

Em ambos os casos, ele afirmou que seria necessário amplo levantamento, avaliações técnicas e estudos logísticos, o que, na visão dele, impede a concessão de medida urgente.

“Além disso, considerada a notória escassez de imunizantes no País a qual, aliás, está longe de ser superada --, não se pode excluir a hipótese de que a inclusão de um novo grupo de pessoas na lista de precedência, sem qualquer dúvida merecedor de proteção estatal, poderia acarretar a retirada, total ou parcial, de outros grupos já incluídos no rol daqueles que serão vacinados de forma prioritária, presumivelmente escolhidos a partir de critérios técnicos e científicos definidos pelas autoridades sanitárias”, escreveu.

Ou seja, segue nebulosa a definição de quem merece estar na parte da frente dessa fila de atendimento.