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Avanço contra os perseguidores

04 de Abril de 2021 às 00:54

Na última quinta-feira (1º), o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), sancionou uma adição no Código Penal brasileiro que reconhece como crime a prática de “stalking”. O termo deriva do inglês em que a palavra “stalk” significa perseguir, aproximar-se silenciosamente (da caça), atacar à espreita.

O “stalking” implica em perseguir ou importunar de modo frequente outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma a causar medo, inquietação ou a restrição de liberdade.

O “stalker” age de diversas maneiras, invade a intimidade da vítima e tem como conduta a repetição e insistência. A vítima se vê coagida por várias atitudes como ligações telefônicas, ameaças, perseguição, mensagens, e-mails, presentes, permanência em locais de sua rotina, permanência em lugares por onde passa frequentemente etc.

A motivação daquele que pratica “stalking” varia, podendo ser por amor, vingança, inveja, raiva, brincadeira ou qualquer outra causa subjetiva.

A partir de agora, esse tipo de perseguição obsessiva passa a ter como consequência a prisão entre seis meses a dois anos, fora uma multa. A pena pode ser ampliada em 50% no caso de crimes contra menores de idade, idosos ou mulheres.

O mesmo vale para o crime que envolve armas ou participação de mais de duas pessoas na ação. O texto prevê também a aplicação das penas acessórias de proibição de contato com a vítima e obrigação de frequentar programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição.

A medida vale tanto para ações físicas quanto virtuais, desde que envolva ameaças “à integridade física ou psicológica, restringindo a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”.

A maioria das vítimas de assédio persistente são mulheres.

Não é uma nova lei. Trata-se da inclusão do artigo 147-A como um complemento a um Decreto-Lei de 1940. O artigo foi originalmente proposto pela senadora Leila Barros (PSB-DF), com alterações realizadas durante o debate na Câmara dos Deputados. Ele já havia sido aprovado no Senado por unanimidade em março, e passa a valer imediatamente após a publicação.

Até então, a perseguição não era crime, e sim uma contravenção. A Lei de Contravenções Penais prevê pena de prisão simples de 15 dias a dois meses, ou multa, para o ato de “molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável”.

Também é possível punir, conforme o Código Penal, o ato de ameaçar alguém, por palavra, escrito, gesto ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave, com detenção de um a seis meses, ou multa.

Na prática, a adição à lei é um avanço para combater esse novo tipo de crime que aumentou muito nas últimas décadas. Com o advento de novas tecnologias e a profusão de redes sociais, vivemos a época exposição pessoal.

O ser e saber deu lugar ao compartilhamento de conteúdos pessoais. Ter seguidores virou sinônimo de popularidade e dinheiro. Terreno fértil para o surgimento e a atuação de “stalkers”.

Mas é um avanço tímido. Se considerarmos os efeitos perversos que o “stalking” causa em algumas pessoas, a punição é branda diante do crime.

O “stalking” pode afetar consideravelmente o lado emocional da vítima, prejudicando sua vida no âmbito familiar e profissional. E também tem alto potencial de violência.

O que começa como uma obsessão pode muitas vezes terminar em tragédia.

Por fim -- e pior --, a pena branda e a certeza da falta de uma aplicação efetiva fazem com que a vítima se sinta insegura o tempo todo. Muito parecido com o que acontece nas medidas protetivas que, na prática, não servem para absolutamente nada.

Muito provavelmente, no Brasil, o stalking será mais um daqueles crimes praticados repetidamente e que acabam não sendo punidos adequadamente. Como quase todos os crimes no País, aliás.

É a velha história de termos uma Justiça lenta, falha, fraca, cheia de brechas pelas quais réus, sobretudo os endinheirados ou de colarinhos brancos, conseguem enrolar por anos a fio, por meio de recursos quase infinitos, até a prescrição das penas. Já até cansamos de repetir isso.