Buscar no Cruzeiro

Buscar

Auxílio aos atletas

19 de Julho de 2020 às 00:01

Em todo o País, milhares -- talvez milhões -- de atletas e profissionais vivem há quatro meses a expectativa de serem beneficiados pelo auxílio emergencial destinado a mitigar os efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus. Oficialmente, a extensão da ajuda -- a princípio autorizada para trabalhadores informais e posteriormente liberada aos artistas -- esbarra, obviamente, no comprometimento do já combalido orçamento do governo federal. No entanto, a falta de objetividade e, sobretudo, de diálogo entre a oposição e os partidos que dão sustentação ao governo no Congresso Nacional alongam demasiadamente as discussões.

Neste momento, pela segunda vez desde o mês de abril, um projeto de lei tramita no Legislativo Federal visando a ampliação da abrangência da ajuda aos trabalhadores cujas atividades foram impactadas pelo isolamento social necessário ao controle da Covid-19. Em maio, o presidente Jair Bolsonaro lançou mão do seu poder de veto e retirou do texto aprovado por deputados federais e senadores o auxílio emergencial de R$ 600 aos profissionais da área de esportes. Como justificativa, o chefe do Poder Executivo apresentou cálculos do Ministério da Economia que previam um impacto de até R$ 15 bilhões aos cofres públicos com esse pagamento.

Em resposta à repercussão negativa por parte da opinião pública e aos protestos de associações e demais órgãos representativos dos atletas de várias regiões do Brasil, um projeto específico, criando o auxílio de R$ 1.800 -- dividido em três cotas mensais de R$ 600,00 --, foi apresentado. Assim como as propostas anteriores, essa iniciativa também partiu do Congresso. A diferença é que a tentativa mais recente embute um mecanismo limitante. Conforme esse critério, os gastos com a ajuda aos trabalhadores ligados aos esportes não podem superar o teto de R$ 1,6 bilhão.

Apesar dessa cautela extra, o consenso não se concretizou. Na quinta-feira (16), pouco antes da votação na Câmara Federal, a liderança da bancada governista pediu a retirada do projeto da pauta. A manobra não deu resultado porque apenas uma parte do chamado Centrão -- bloco informal de partidos que integra a base governista -- acatou a orientação da cúpula. O requerimento foi derrotado por 278 a 143 votos. Por fim, após horas de divergências, o texto acabou sendo aprovado por um plenário dividido quanto à conveniência do dispêndio financeiro.

Quem desconhece a realidade do esporte nacional pode considerar exagerada a preocupação com as supostas dificuldades enfrentadas pelos atletas e demais profissionais da área. Na verdade, nem o próprio Congresso Nacional sabe quantas pessoas serão beneficiadas com o auxílio emergencial. Além dos atletas e paratletas de dezenas de modalidades e categorias espalhadas pelos quatro cantos do País, o setor é formado por técnicos, preparadores físicos, fisioterapeutas, nutricionistas, professores de educação física, psicólogos, massagistas, árbitros, auxiliares de arbitragem, cortadores de grama, motoristas, cozinheiros e faxineiros -- entre inúmeros outros -- que dependem da realização de competições e/ou treinos para receber seus salários.

Como o isolamento social indispensável ao combate da Covid-19 impede todas as atividades, clubes, academias e demais estruturas desportivas estão de portas fechadas há quatro meses. Sem faturamento, os resultados são óbvios: redução de salários, atrasos nos pagamentos e até demissões.

Contra possíveis argumentos opostos à necessidade do benefício, é bom que se diga que o dia a dia desses trabalhadores é, na imensa maioria dos casos, bem diferente daquele retratado nas coberturas das competições das categorias de elite. Conforme pesquisa da empresa Pluri Consultoria, no Brasil, atletas e profissionais da área de esportes têm o mesmo perfil da maioria dos empregados: são pobres, trabalham muito, ganham pouco e enfrentam dificuldades diariamente.

O futebol, esporte mais difundido no País, serve como parâmetro. Ainda segundo estudo da Pluri, no ano passado, a grande maioria dos jogadores, cerca de 82%, tinham remuneração média de um salário mínimo mensal -- R$ 1.045,00. A segunda faixa mais numerosa de futebolistas, com 13% do total, ganhava entre R$ 1.000 e R$ 5.000. Assim, apenas 5% dos jogadores recebiam mais de R$ 5.000 por mês.

Para entrar em vigor, no entanto, a lei aprovada na semana passada ainda tem um longo caminho a percorrer. Conforme as regras, a proposta precisa passar pelo crivo do Senado e obter a sanção do presidente. Assim, o texto corre o risco de sofrer alterações ou -- o que é pior -- de ser anulado. Em resumo, os atletas e demais profissionais da área de esportes que anseiam pela ajuda pecuniária para superar o momento difícil, certamente, precisarão ter muito mais paciência -- e resistência -- para aguardar os trâmites burocráticos, políticos e legais que estão por vir.