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As tragédias anunciadas

27 de Janeiro de 2019 às 08:02

Conhecidas mundialmente, as Leis de Murphy tratam, com certo humor, a imponderabilidade da vida. Uma de suas leis mais conhecidas diz: Qualquer coisa que possa dar errado, vai dar errado.

Outra, menos conhecida, diz: A natureza sempre está do lado de uma falha oculta.

Não bastassem essas duas leis que demonstram claramente o mecanismo universal dos acontecimentos, mesmo da História, uma outra lei ainda reforça: Todas as garantias terminam com o pagamento da conta. Pode ser engraçado, é irônico, é cínico.

Ironia e cinismo são leis reais do universo que apresentam, sem rodeios, a dura realidade das coisas. O que nos leva à complexidade do caos, mesmo que muitas pessoas aceitem que existe ordem. Afinal, queremos ordem e, se possível, uma certa estabilidade na vida. E para quem acredita nesse ideal, existe mais uma lei de Murphy, que era um capitão e engenheiro de projetos da força aérea americana ao redor dos anos 50, século passado: se tudo parece estar indo bem, certamente alguém deixou de ver (checar) alguma coisa. São variações do mesmo tema que apenas demonstram uma questão vital, a imponderabilidade da vida. Demonstram também essas leis como somos um país avesso ao risco: “isso nunca vai acontecer comigo”; ou “vira essa boca pra lá”; ou, pior ainda “foi Deus que quis assim”.

A segunda grande tragédia, entre as maiores do mundo, causada pela mesma mineradora, a Vale, agora em Brumadinho, que fica na região metropolitana de Belo Horizonte, demonstra de forma simples e direta como não existe no Brasil uma cultura voltada para enfrentar riscos. São raros os planos de contingência, um plano empresarial que descreve as ações que deverão ser desencadeadas diante de adversidades, acidentes, sinistros, perda ou dano numa organização. Todos nós temos um pequeno plano de contingência no carro: o pneu estepe.

Mas seria essa uma tragédia não anunciada, não prevista? A ex-presidente do Brasil Dilma Rousseff mudou um decreto sobre a retirada do Fundo de Garantia diante de calamidades em 13 de novembro de 2015: “...do art.20 da Lei n.8.036 de 11 de maio de 1990 considera-se também como natural o desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais.” Com esse fraseado, dez dias depois da tragédia de Mariana, que ocorreu em 5 novembro de 2015, até então, o pior acidente da mineração brasileira, hoje considerado um dos maiores em todo mundo, no município de Mariana, em Minas Gerais. A tragédia aconteceu após o rompimento de uma barragem (Fundão) da mineradora Samarco, que é controlada pela Vale e pela australiana BHP Billiton. A grande destruição praticamente dizimou a cidade de Bento Rodrigues; a lama com minerais ferrosos e, dizem alguns, metais pesados, aumentou tremendamente a turbidez das águas do Rio Doce, com impactos no abastecimento de água em cidades de Minas Gerais e Espírito Santo, causou danos culturais a monumentos históricos do período colonial, bem como à fauna e à flora na área da bacia hidrográfica, incluindo possível extinção de espécies endêmicas, e prejuízos à atividade pesqueira e turismo nas localidades atingidas. Foram 19 mortos, muito poucos para a extensão da tragédia. As áreas afetadas foram além do subdistrito de Bento Rodrigues, passou por diversos municípios às margens do Rio Doce até chegar no Oceano Atlântico. O Ministério Público de Minas Gerais havia sido contrário à renovação da licença de funcionamento da barragem, tendo solicitado a realização de análise de ruptura e um plano de contingência para o caso de riscos ou acidentes. Segundo o promotor de Justiça do Meio Ambiente, Carlos Eduardo Ferreira Pinto, a tragédia “não foi um acidente, tampouco fatalidade”, mas erro na operação e negligência no monitoramento da barragem.

A tragédia se repete 3 anos e 3 meses e 20 dias depois em Brumadinho, aumentada em proporção assustadora, geometricamente assustadora: desta vez mais de 350 pessoas estão desaparecidas; mais cidades e rios enlameados, a vida profissional de seres humanos estão soterrados junto com seus sonhos. E pergunta-se o óbvio: mas a mesma empresa, a Vale, uma das mais ricas do mundo, a quarta maior empresa do Brasil, não fez nada todo esse tempo com suas barragens de descarte de lama? Criou a Vale equipes de pudessem monitorar constantemente essas barragens e outras mais? Qual é o valor da vida do cidadão comum dentro dos objetivos de uma empresa de mineração? Pagou a Vale as vítimas todas ofendidas pela sua inépcia? Tecnologia para monitoramento existe e de forma muito moderna: satélites. E um efetivo plano de aviso, simples, como sirenes, em cidades abaixo das barragens.

Com um novo governo federal que tem deixado claro que pretende ter uma política ambiental mais branda, mais solta em relação à proteção do meio ambiente, é preocupante observar o que pode acontecer. Como essa barragem que, dizem, estava desativada e considerada segura, existem mais.

“As barragens já estão feitas. Temos 400 bombas-relógio em Minas Gerais. Isso que aconteceu hoje, eu avisei como presidente dessa comissão diversas vezes e digo que vai se repetir. Enquanto o povo morre aqui, os acionistas na Austrália estão enriquecendo”, afirmou o deputado estadual por Minas, João Vitor Xavier.

A mentalidade nacional de prevenção de riscos precisa mudar. Como diz um outro ditado popular, nada existe de tão ruim que não possa ficar pior. E assim vamos: “coisas ruins acontecem; e então a gente morre; e, então... a gente não vai para o Céu”.