A vida nas ruas
Conforme a denúncia, pessoas em situação de rua seriam trazidas de outras cidades. Crédito da foto: Pedro Negrão / Arquivo JCS (24/6/2014)
O aumento do número de pessoas que vivem em situação de rua é um problema que afeta praticamente todas as cidades médias e grandes do País. Levantamento realizado pela Secretaria da Cidadania e Participação Popular (Secid) da Prefeitura de Sorocaba aponta que existem 850 pessoas vivendo em ruas e praças da cidade.
É um número expressivo, mas a sensação que se tem é de que deve ser maior quando se cruza determinadas regiões do Centro onde existem verdadeiros acampamentos de pessoas nessas condições.
Na semana passada, a Prefeitura de São Paulo divulgou o novo Censo da População em Situação de Rua e trouxe números impressionantes: de 2015 a 2019 o número de pessoas que vivem nas ruas da Capital saltou de 15 mil para 24 mil. É uma população superior a centenas de municípios paulistas.
São Paulo tem uma agravante -- a Cracolândia -- onde milhares de pessoas vivem drogadas em um verdadeiro gueto que se desloca pelas ruas da região central da cidade.
Até há pouco tempo a Secid atuava nessa área por meio da Operação Dignidade, em que funcionários e assistentes sociais, sempre acompanhados por guarnições da Guarda Civil Municipal ou da Polícia Militar, abordavam os moradores de rua e tentavam encaminhá-los para albergues, ajudavam tirar documentos e até mesmo voltar para suas cidades de origem.
Como houve troca de secretários com a posse da prefeita Jaqueline Coutinho (sem partido), inclusive na Secid, o antigo projeto foi abandonado e trocado na semana passada pelo programa Tem Saída. Esse programa tem outra abordagem com relação aos moradores de rua.
Em vez de retirá-los dos espaços públicos, com a ajuda da GCM, o novo programa prevê que um ônibus adaptado para o trabalho vá até os moradores de rua para tentar fortalecer os vínculos com os agentes sociais até que eles queiram receber ajuda. De acordo com a Secid, o projeto prevê, depois da abordagem inicial, um trabalho de acolhimento dessas pessoas em casas de passagem e repúblicas.
A pesquisa realizada em Sorocaba mostra que existem atualmente cerca de 850 pessoas em situação de rua, das quais 87% são do sexo masculino e 55% não possuem ensino fundamental completo. Determinar as causas que levaram essas pessoas a abandonar tudo também é complicado. Há os que estão nessa situação por conta de dependência química ou do alcoolismo; vítimas de lares desfeitos; desemprego e falta absoluta de recursos para sobrevivência.
Há ainda egressos de hospitais psiquiátricos e do sistema prisional, que têm enorme dificuldade em encontrar um emprego, por exemplo. Muitas vezes são vários desses problemas combinados, o que tira qualquer perspectiva de reintegração social se não receberem ajuda. Essa multiplicidade de causas é que torna difícil o enfrentamento do problema pelo poder público e mostra que a solução é bastante complexa.
Especialistas afirmam que a crise econômica e o desemprego brutal enfrentado pelo país foi um dos motivos do aumento do número de moradores de rua. O desemprego que era de 6,5% em 2014 pulou para 12% em 2018, levando milhões de brasileiros à pobreza. Em algumas cidades, principalmente as de maior porte, ocorre o aumento de moradores de rua de acordo com o período do ano, aumentando, por exemplo, durante as festas de final de ano. Essa sazonalidade dificulta ainda mais quem se dedica a encontrar soluções para os moradores em situação de rua.
Sorocaba tem várias instituições sérias que acolhem os moradores de rua que as procuram ou são encaminhados por projetos sociais. Mas a prática de quem trabalha nessa área mostra que uma grande parcela não gosta de ficar em albergues ou casas de passagem onde existem regras a serem cumpridas e disciplina. Os abrigos não permitem o consumo de drogas ou bebidas alcoólicas e também impedem a entrada de animais de estimação, como cães e gatos e muitos moradores de rua não se separam de seus animais.
A Prefeitura de Sorocaba não explicou a razão da troca de projetos para atender os moradores em situação de rua. Não se sabe, por exemplo, se os resultados da Operação Dignidade foram negativos a ponto de inviabilizar o programa. Fato é que retirar essas pessoas das ruas é um trabalho complexo, de longa duração e que exige a dedicação de profissionais de várias áreas. E só será viável diminuir o número das pessoas que vivem nas ruas se o país voltar a crescer em ritmo acelerado e retornar à situação de pleno emprego. Só assim será possível acenar para essas pessoas com a perspectiva de uma vida mais digna.