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A nova Billings?

15 de Novembro de 2019 às 00:01

Não é a primeira vez que este espaço é utilizado para alertar para as consequências da ocupação desordenada das margens da represa de Itupararanga e os efeitos perversos que está provocando na qualidade da água do maior manancial da região.

A autorização de loteamentos e a implantação de loteamentos clandestinos, desmatamento, aumento da área agrícola entre outras agressões ambientais podem levar, dentro de pouco tempo, a uma situação semelhante à da represa Billings, na Região Metropolitana de São Paulo, que, de tão poluída, sua água não pode ser mais aproveitada para o abastecimento. O líquido acumulado naquela represa só serve atualmente para gerar energia.

O alerta foi feito nesta semana pelo vice-presidente do Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio Sorocaba e Médio Tietê, Wendell Rodrigues Wanderley, durante o 1º Fórum Regional de Mudanças Climáticas promovido pela Prefeitura de Sorocaba e Universidade de Sorocaba (Uniso).

O objetivo do fórum era discutir as mudanças climáticas e o desafio da redução de emissões de gases do efeito estufa, mas a quantidade de problemas encontrados na represa e sua importância para a região acabaram ocupando espaço nos dois dias de debates.

A represa de Itupararanga foi formada no início do século passado com o objetivo de gerar energia elétrica para a região.

A represa está inserida em uma Área de Proteção Ambiental (APA). Sua água, além de gerar energia para o Grupo Votorantim, é responsável pelo abastecimento de aproximadamente 80% da população de Sorocaba, praticamente de toda a população de Ibiúna, de Votorantim e São Roque, mais de 1 milhão de pessoas.

Se sua água se tornar imprópria é difícil identificar onde esses municípios conseguirão água para abastecimento. Sorocaba retira 80% da água que consome da represa e por meio de adutoras envia esse líquido até a Estação de Tratamento de Água do Cerrado (ETA), de onde é distribuído para os reservatórios da cidade.

A distância e a instabilidade da Serra de São Francisco, por onde passam essas adutoras, levou o Saae a buscar uma alternativa, a construção da Estação de Tratamento de Água do Vitória Régia que vai retirar água diretamente do rio Sorocaba, uma ação que só será possível por que o rio passou por um processo de despoluição.

Mesmo assim, a capacidade de tratamento dessa ETA será limitada, e não conseguirá abastecer toda a cidade. Outros municípios possivelmente não terão alternativas de abastecimento se deixarem a qualidade da água da represa piorar ainda mais.

A qualidade da água da represa até o início dos anos 1990 sempre foi muito boa. No final daquela década, a significativa ampliação da área cultivada em seu entorno, o surgimento de loteamentos, condomínios e áreas invadidas, levou o Cruzeiro do Sul a publicar uma série de reportagens mostrando os perigos dessas ocupações.

A partir dessas denúncias foi criada a APA de Itupararanga, mesmo assim, a degradação da represa só aumenta. A ocupação agrícola praticamente dobrou nos últimos anos.

No mesmo período, imagens de satélite obtidas por uma pesquisadora da UFSCar junto ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que a ocupação urbana na APA aumentou 25% em seis anos.

Com isso, cada vez mais a água que abastece as cidades da região se torna carregada de agrotóxicos utilizados indiscriminadamente e esgoto doméstico, sem qualquer tratamento.

Em abril deste ano, reportagem deste jornal mostrou que a presença de cianobactérias na represa já estava acima do limite em alguns pontos, resultado do uso indiscriminado de fertilizantes pelos agricultores e pela falta de saneamento básico.

O aumento da presença das cianobactérias vai, num primeiro momento, encarecer o tratamento da água para poder ser utilizada. Se continuar aumentando, poderá impossibilitar seu uso.

Há uma série de entidades ligadas à defesa do meio ambiente e à própria represa tentando salvar a qualidade da água do manancial.

Em julho, gestores e especialistas em meio ambiente se reuniram para expor a situação à Secretaria da Infraestrutura e Meio Ambiente de São Paulo.

Mesmo assim, continuam aumentando o desmatamento, loteamentos clandestinos, lançamento de esgoto e agrotóxicos.

Se o rodízio de abastecimento -- uma medida temporária por conta do baixo nível de represas auxiliares -- já incomoda bastante a população, imagine-se as consequências da impossibilidade do uso do manancial.

É preciso, portanto, que prefeitos, vereadores, Ministério Público e deputados que representam a região assumam o compromisso de lutar pela preservação da represa, antes que a situação se torne irreversível.