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A esperança equilibrista

27 de Junho de 2019 às 00:01

O juiz, acima de tudo, e agora também ministro da Justiça, Sérgio Moro, está passando por momentos difíceis, momentos de ataque à sua imagem e à sua profícua carreira a serviço da Justiça. Em outras ocasiões nós escreveríamos justiça, em minúsculas. No caso de Sérgio Moro a grafia correta é com maiúsculas, Justiça.

Um termo muito usado na política baixa que se pratica nos bastidores do poder é o termo “fritar”. Coloque-se o nome do alvo a ser destituído ou desgastado, para ser então substituído por aquele de interesse, ou mesmo apenas para ser desgastado para fortalecer uma nova agenda de interesses e, “frita-se”.

Sérgio Moro é alvo de “fritura”. Não é uma simples substituição de nome ou de uma filosofia de trabalho, é toda uma corrente de raciocínio jurídico, uma interpretação universal de valores, dentro de parâmetros legais que está sendo posta em xeque. É o revisionismo interesseiro que quer enfraquecer a doutrina Moro que hoje é tão marcante quanto a famosa operação Mãos Limpas é na Itália. Para relembrar o que significou, o próprio Sérgio Moro descreveu:

“A denominada ‘operação mani pulite’ (mãos limpas) constitui um momento extraordinário na história contemporânea do Judiciário. Iniciou-se em meados de fevereiro de 1992, com a prisão de Mario Chiesa, que ocupava o cargo de diretor de instituição filantrópica de Milão (Pio Alberto Trivulzio). Dois anos após, 2.993 mandados de prisão haviam sido expedidos; 6.059 pessoas estavam sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros. A ação judiciária revelou que a vida política e administrativa de Milão, e da própria Itália, estava mergulhada na corrupção, com o pagamento de propina para concessão de todo contrato público, o que levou à utilização da expressão ‘Tangentopoli’ ou ‘Bribesville’ (o equivalente à ‘cidade da propina’) para designar a situação. A operação mani pulite ainda redesenhou o quadro político na Itália. Partidos que haviam dominado a vida política italiana no pós-guerra, como o Socialista (PSI) e o da Democracia Cristã (DC), foram levados ao colapso, obtendo, na eleição de 1994, somente 2,2% e 11,1% dos votos, respectivamente.”

No Brasil são cinco anos depois da muito comentada e pouco conhecida a Operação Lava Jato, que começou em 17 de março de 2014 no MP-PR (Ministério Público Paraná) com a investigação de uma organização criminosa que praticava crimes de lavagem de dinheiro relacionados ao ex-deputado federal José Janene (PP), em Londrina, no Paraná. Além do ex-deputado, estavam envolvidos nos crimes os doleiros Alberto Youssef e Carlos Habib Chater, entre os quatro doleiros, operadores do mercado paralelo de câmbio, que comandavam quatro organizações criminosas que trocavam informações e práticas ilícitas entre si. Depois, o MPF (Ministério Público Federal) recolheu provas de um imenso esquema criminoso de corrupção envolvendo a Petrobras. A primeira fase foi deflagrada no dia 17 de março de 2014. Foram cumpridos 81 mandados de busca e apreensão, 18 mandados de prisão preventiva, 10 mandados de prisão temporária e 19 mandados de condução coercitiva, em 17 cidades de seis Estados e no Distrito Federal. As investigações foram conduzidas pela PF (Polícia Federal) e o MPF (Ministério Público Federal), que trabalharam de modo integrado. Em quase cinco anos de operação, o MP-PR instaurou 2.476 procedimentos. Foram feitos 1.196 mandados de buscas e apreensões, 227 mandados de conduções coercitivas, 155 mandados de prisões preventivas, 155 de prisões temporárias e seis em flagrante. Desses desmembramentos todos, um grande ícone está preso -- um ex-presidente do Brasil -- e com ele alguns ex-ministros e muitos ex e atuais deputados e senadores.

Há questão de uma semana, quando Sérgio Moro prestou espontaneamente esclarecimentos ao Senado sobre as informações que teriam sido tiradas de forma criminosa de conversas suas -- mesmo assim com dúvidas sobre sua veracidade -- havia 25 senadores objeto de investigação no mesmo esquema da Lava Jato.

As informações fornecidas, que não se sabe se são verdadeiras -- por terem sido sequestradas podem ter sido igual e criminosamente falsificadas -- por um portal de notícias que tem como seu diretor -- e hoje figura de prestígio entre aqueles que querem a soltura de ex-presidente Lula -- são doses quase homeopáticas de revelações alegadamente inadequadas entre juiz e promotor. Essa prática de troca de informações para agilizar a Justiça, que ficou registrada, é um hábito antigo, de fato, anterior aos smartphones. São amplamente conhecidas na vida real, entre advogados de defesa e juízes, entre promotores e juízes, entre advogados e promotores.

A estratégia da esquerda que quer Lula livre, esgotado seus recursos jurídicos, é apresentar uma “denúncia” por semana. Essa técnica conhecida, desgastada, pode ainda funcionar neste caso do juiz Moro e o presidente Bolsonaro. Talvez por isso não tenham liberado todo o conteúdo das supostas conversas do similar do WhatsApp. Poucas figuras públicas têm se pronunciado sobre a técnica de “fritura e vazamento”. Talvez prefiram deixar Moro se desintegrar, sangrar lentamente para ser substituído -- outro talvez -- por um outro juiz federal, um carioca?

O fato é que, dificilmente vai conseguir passar qualquer projeto ou proposta, se tiver que continuar se defendendo. “Azar! A esperança equilibrista”, como escreveu Aldir Blanc e João Bosco no samba genial. Nesse caso, a Segurança e Justiça equilibrista sabem que o show tem de continuar.