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A escola pública dá certo

17 de Março de 2019 às 00:01

Numa época de choque e comoção pública com estudantes, existem ainda, e muitas, escolas públicas que dão certo, que marcam ou marcaram sua época pela qualidade de ensino e pelo cuidado dos cidadãos com a criação e desenvolvimento na formação de uma boa qualidade de ensino, na formação de pessoas que podem fazer diferença na cidade e região.

Ao comemorar 90 anos, o Instituto de Educação Júlio Prestes de Albuquerque, o conhecido Estadão de Sorocaba, que também já foi chamado de Ginásio do Estado, é desses exemplos vivos de como a educação pública já funcionou bem neste País. Ou ao menos, no Estado de São Paulo.

Um dos aspectos que sempre chamou a atenção de quem lá se formou e hoje tem mais de 50 anos era a busca por uma ótima qualidade de estudo, pela disciplina que exigiam diretores e professores e pela expressiva representatividade da sociedade, um amálgama social extremamente representativo. Lá estudavam lado a lado e igualmente eram exigidos pelos professores, o filho do pedreiro, do operário das oficinas da velha Estrada de Ferro Sorocabana, a filha do médico, da funcionária pública, do professor de outra escola, do advogado, empresário, costureira, gente de todas as origens e nacionalidades. Interessante é que os estudantes que lá frequentaram raramente tinham essa sensação de divisão social, de classe A ou C. O que valia na convivência eram as relações de afeto e amizade, uniformizados em saias mais ou menos curtas paras meninas e calças curtas ou compridas para os meninos, dependendo dos cursos que iam do Jardim da Infância até o final do Colegial, antes divididos em Científico (exatas), Clássico (letras) e Normal (professoras(es)). Incluídas estavam aulas de Educação Física, aulas de música (com aprendizados de hinos brasileiros e músicas do folclore), religião católica (alunos de outras denominações eram dispensados dessas aulas), trabalhos manuais, laboratório de ciências, um salão nobre para ocasiões especiais e até mesmo o funcionamento de um grêmio acadêmico. E havia uma biblioteca em ordem, que funcionava.

A primeira escola pública de Sorocaba com Normal “anexo”, que deu origem ao Estadão, teve dificuldade para encontrar um local adequado. Foi a Loja Maçônica Perseverança III, de longa tradição no apoio ao ensino, que ofereceu espaço no histórico prédio da Casa da Câmara e Cadeia, na esquina das ruas Barão de Rio Branco e XV de Novembro, construção que vinha dos primórdios de Sorocaba. Foi ali que o Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar foi proclamado Presidente da Província de São Paulo, na Revolução Liberal de 1842.

Sorocaba já contava, desde 1910, com o moderno prédio do Grupo Escolar Antônio Padilha, na rua Cesário Motta, construído pelo governo do Estado, dentro do espírito positivista da Primeira República. Mas não tinha uma sede ampla para acolher os alunos do curso ginasial, quando a cidade conseguia novo “status” educacional. Governos e revoluções mais tarde, lideranças locais, que já haviam criado o Ginásio Municipal (não o de esportes), não esperaram a política. Em 1932 lançaram a “campanha do tijolo” para a construção do prédio próprio, em terreno doado por Alberto Trujillo, na avenida Eugênio Salerno, atual endereço da escola. O projeto da obra foi do saudoso engenheiro Júlio Bierrenbach Lima (que deu nome à escola em Santa Rosália), professor de Matemática do Estadão, pai de Júlio de Sá Bierrenbach (falecido em 2015, aos 96 anos), que também ali estudou e depois chegou a almirante de esquadra e ministro do Supremo Tribunal Militar (STM). Somente em 1934 é que o governo do Estado finalmente transformou a Ginásio Municipal em Ginásio Estadual, mantendo anexo o Curso Normal. Foi quando a escola, pelo seu tamanho e origem, começou a ser chamada de “Estadão”.

Em 1944, por ação do Padre Armando Guerrazzi, o Ginásio transformou-se na primeira escola pública de nível médio de Sorocaba, passando a ter, além do ginasial, também os cursos Colegial (antigo Científico), Magistério e Clássico. Armando Guerrazzi foi escritor e professor de Português do Estadão até 1945, tendo falecido em 1947. Em 1946, o Colégio Estadual recebia o nome de “Dr. Júlio Prestes de Albuquerque”, cuja fotografia como patrono foi entronizada em 1948, no Salão Nobre.

No processo de transferência para o governo estadual, a antiga Escola Normal anexa separou-se do Ginásio do Estado e veio a dar origem à atual Escola Municipal Dr. Getúlio Vargas, também na avenida Eugênio Salerno. E assim dois ferrenhos adversários políticos (Getúlio Vargas e Júlio Prestes de Albuquerque) passaram a ser vizinhos no nome das duas escolas amigas.

Ao longo do tempo, a escola já teve 21 diretores. Entre eles, Achilles de Almeida, de 1930 a 1934 (ele deu nome à tradicional escola municipal); Roberto Paschoalich comandou em três oportunidades, no período entre 1939 e 1948; Roque Ayres de Oliveira, de 1948 a 1962; Helly Grillo Mussi (filha do professor Nestor Grillo) ficou por 20 anos, de 1962 a 1982; Genny Laino, entre 1979 e 1983; Dulcina Guimarães Rolim, de 1991 a 1993; e Guaracy Rodrigues Bueno dirigiu o Estadão ao longo de 24 anos -- de 1993 a 2017. A atual diretora é a professora Arlete Fernandes Vellozo Dias. Do Estadão saíram sete prefeitos de Sorocaba: Armando Pannunzio, José Theodoro Mendes, Flávio Chaves, Paulo Mendes, Renato Amary, Vitor Lippi e José Crespo Gonzales. Eles estão lá, nas pastas, ainda meninos nas fotos, com todo o histórico escolar.

Em homenagem aos 90 anos do Estadão será realizada no Salão Nobre da escola, dia 6 de abril de 2019, às 10h, numa iniciativa da Associação Comercial de Sorocaba e da Câmara Municipal, um primeiro passo para sensibilizar as lideranças da cidade sobre o valor da escola e a necessidade de melhorar suas condições físicas e pedagógicas para que continue a realizar um grande trabalho a serviço da educação.

Mais que isso, é prova viva de que a educação pública dá certo. Que sempre pode dar certo.