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A boa e a má política

24 de Março de 2019 às 00:01

O Brasil vem encontrando sua verdadeira face. Aos poucos vamos compreendendo que a politização chegou à população, ao homem comum, ao estudante não teleguiado, aos rincões do País. O Brasil não deixou de ser mais alegre, mais receptivo, menos futebolístico e nem houve qualquer perda de suas belezas naturais. Entretanto a velha piada do País maravilhoso com um povinho estranho, vai ficando para o anedotário da história. E onde o País vem mudando? Na desconstrução de seus símbolos, de suas personalidades. Não basta apenas ter uma história republicana, um cargo, um título, uma tese, um livro ou pertencer a este ou àquele segmento. É necessário, como já pontuou este jornal em recente editorial, que a figura pública não apenas pareça honesta, mas aja com tal honestidade pública (10/3).

Assim vão se desconstruindo os, antes, indivíduos acima de qualquer suspeita, os grandiloquentes oradores, os históricos deste ou daquele partido ou agremiação, os benfeitores. Não mais resistem aos discursos na tribuna ou para as plateias, quando em suas vidas particulares projetos escusos, negócios feitos nas sombras, prepostos (os “laranjas”), empresas fantasmas, paraísos fiscais, testas de ferro compõem a verdadeira face de muitos dos nossos líderes. Nada mais nos ilude.

O povo brasileiro aprendeu depois de muito sofrimento e, em especial por sua resiliência com sabedoria, que deve provocar mudanças e não esperar por elas. Se as redes sociais, as chamadas novas mídias são responsáveis pelo sucesso -- eventualmente por sua ruina -- deste ou daquele candidato é porque tem um status mental, uma superestrutura mental em cada brasileiro. Diz-se que cada homem nasce no seu tempo certo: se Beethoven tivesse nascido no Egito, na época das pirâmides, pouco se saberia de sua genialidade. Em cada tempo há um homem e uma consciência apropriada às mudanças. A do Brasil chegou. A atuação de juízes, investigadores ou possíveis paladinos da justiça, sem o status mental popular, nada ou muito pouca mudança seria possível. A incorporação da cidadania, o entendimento de que é do trabalho duro de homens com moral forjada em cada casa que nasce um País e não de ações milagreiras ou promessas de palanque é que vai nos fazendo iguais.

Um País começa nos lares, nas relações de pais e filhos e se espalha pelo espaço onde vivemos. É necessário valorizar cada um pelo que é na sua dignidade não cabendo mais o sucesso das pessoas por serem “espertas”, leia-se o malandro, o ladino. Esse tipo de conceito contaminou muitas gerações de jovens e consequentemente, pessoas públicas.

O exemplo da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro ao empossar deputados presos esta semana, no interior do presidio no Rio de Janeiro, é a face desse descaso e da impunidade. Nem merece lembrar aqui o decoro. Escárnio.

Se por um lado o País vai desconstruindo seus líderes por outro vai construindo novos representantes. Não vamos nos iludir que este será o fim da corrupção ou dos espertinhos. Não será. Não há precedente na história humana de bondade pura sem alguma corrupção, exceto nos santos e nos mártires religiosos. Este não parece ser o caso de nossos representantes. Onde isso começa? Não é no Planalto, não é na Câmara Federal, no Senado. É nas casas, nas ruas, nos bairros e nas cidades onde vivemos.

Em Sorocaba manifestações de alguns vereadores do próprio partido deram conta que não sabiam da prisão do ex-presidente Temer, outros reagiram indignados cobrando justiça se houve desvio de conduta e corrupção. É exatamente isso que se espera dos políticos em cada cidade, que se alegrem ou se sintam indignados capturando o sentimento de seus eleitores. Pois é na cidade a origem dos parlamentares que chegarem ao Congresso Nacional. Embora, muitos, ao chegarem ao Planalto se corrompem, não porque o poder corrompe, mas porque já levam a alma corrompida, que pode ter começado aqui mesmo em sua vila, apenas aguardam uma oportunidade para se locupletarem.

Os municípios já tiveram protagonismo muito maior na história do País e deveriam rever esse protagonismo, apossando-se dele. Afinal, todo político vem de uma cidade, de um bairro, vem de sua vila, sua casa e família, numa relação inversa daquela que o levou ao cargo.

Quanto aos últimos acontecimentos a sociedade deve ficar feliz com a Justiça, com as prisões de criminosos comuns ou de “colarinho branco”, expressão criada que indica aqueles que trabalham em escritórios e não em chão de fábricas. Deve, no entanto, cuidar dos excessos. Não estamos e nem devemos viver uma Inquisição, os excessos em qualquer direção são perigosos e levam a injustiças. Já vivemos momentos de “nós” contra “eles” que ainda repercutem e dificultam tanto o resgate da confiança, pois não cabe a desconfiança sem limites, posto que se tudo é suspeito nenhuma ação será legitima, ninguém poderá nos representar. É preciso confiar na atuação de bons políticos, empresários, homens da sociedade; é importante inclusive dar-lhes oportunidade de vir a ocupar espaço na condução do País.

Muitos profissionais da política pequena sugerem que a prisão de Temer poderá motivar reação política contra a Lava Jato, mesmo contra a reforma da Previdência. Respeitando o ponto de vista dos profissionais, a reação que interessa ao País não deve ser resultado da motivação dos políticos, mas da sociedade. Os políticos e homens públicos não podem se esquecer que são representantes temporários, por delegação, do interesse do eleitor até a próxima eleição.

É sempre bom lembrar que não existe “Velha Política” ou “Nova Política”, como querem rotular ideologias de cada grupo. O que deve existir é a boa ou má política e cabe ao povo decidir qual será expurgada.