Editorial
Os 50 mil comissionados de Lula
A decisão do governo Lula de criar mais 4,4 mil cargos comissionados, elevando para mais de 50 mil o número de postos de livre nomeação em seu governo, reacende um debate antigo e incômodo: até que ponto a expansão da máquina pública atende ao interesse do Estado e quando passa a servir, prioritariamente, os interesses do governo e, claro, de quem tem o poder em fazer as nomeações de livre escolha?
A confirmação de todo esse pessoal a serviço do petismo veio de um levantamento do Farol da Oposição, do Instituto Teotônio Vilela, ligado ao PSDB, e foram checados pelo Estadão no Painel Estatístico de Pessoal, mantido pelo Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI).
O discurso oficial costuma recorrer à necessidade de “reconstrução” administrativa após governos anteriores. Trata-se de um argumento conveniente, mas insuficiente. A ampliação acelerada de cargos de confiança não se confunde com fortalecimento institucional. Ao contrário, quando se privilegia a nomeação política em detrimento do mérito técnico, o que se tem é o enfraquecimento da burocracia profissional e a captura do Estado por interesses partidários. Ainda mais às vésperas de uma eleição, quando é notório que o maior objetivo é formar um exército de verdadeiros cabos eleitorais pago com dinheiro público, justamente aquele recurso que deveria ser direcionado a serviços que beneficiem ao cidadão, que é quem financia o Estado com o recolhimento de impostos e taxas.
Cargos comissionados existem para funções estratégicas e de assessoramento direto. São exceção, não regra. O problema surge quando a exceção vira método de governar. Um governo que se propõe a ser moderno, eficiente e socialmente responsável não pode tratar a estrutura pública como moeda de troca para acomodar aliados, ampliar bases políticas ou antecipar disputas eleitorais. Ainda mais em um cenário de fragilidade fiscal, endividamento elevado e reiterados alertas sobre a falta de recursos nos próximos anos.
Cada cargo criado representa mais do que um salário. Envolve custos indiretos, estrutura, benefícios e, sobretudo, decisões públicas influenciadas por critérios políticos. A conta não aparece de imediato, mas recai, inevitavelmente, sobre o contribuinte. O mesmo cidadão que enfrenta serviços públicos precários, carga tributária elevada e inflação persistente é chamado a bancar um Estado cada vez mais pesado e pouco — ou quase nada — eficiente.
Há também um efeito simbólico devastador. Enquanto o governo cobra “responsabilidade social” do setor produtivo e defende ajustes seletivos, transmite a mensagem de que o sacrifício é sempre do outro. A ampliação dos cargos de livre nomeação passa a impressão de que o Planalto governa olhando para dentro, preocupado em manter coesa sua base política, e não para fora, atento às reais necessidades do País.
Não se trata de negar a legitimidade política de um governo eleito, tampouco de ignorar a complexidade da administração federal. Trata-se, sim, de exigir coerência. Um governo que se diz comprometido com a justiça social, o equilíbrio fiscal e a boa governança deveria liderar pelo exemplo, enxugando excessos, valorizando quadros técnicos e limitando o uso do Estado como instrumento de acomodação política.
A expansão descontrolada dos cargos comissionados não é apenas uma escolha administrativa. É uma opção política que custa caro do Brasil.
Vale lembrar que Lula tem 38 ministérios. Bolsonaro governou o Brasil com 23 pastas.
Os órgãos que hoje possuem mais cargos comissionados são INSS (3.984), Ministério da Fazenda (2.697), Polícia Federal (2.001), Ministério da Gestão (1.994), IBGE (1.914), Ministério da Saúde (1.707) e Presidência da República (1.646), incluindo os chefes e técnicos que trabalham nesses locais.
Os ministérios que mais aumentaram o número de cargos comissionados entre o fim do governo Bolsonaro e o início do governo Lula (PT), por sua vez foram Fazenda (2.697), Gestão (1.994), Agricultura (1.411) e Trabalho e Emprego (1.284), além de outras pastas que foram criadas e desmembradas na atual gestão, conforme apurou o Estadão.