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Editorial

A lógica de cada endividado

09 de Dezembro de 2025 às 21:00
Cruzeiro do Sul [email protected]
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No Brasil, a desigualdade mais subestimada não está apenas na renda ou no acesso a serviços públicos: ela está na relação com a dívida. Um cidadão comum, quando se encontra endividado, enfrenta um caminho conhecido e quase sempre humilhante. Negocia com bancos que cobram juros estratosféricos, aceita prazos longos, reduz consumo, vende bens, pede favores. Cada decisão vem acompanhada de angústia real: a família sente, o orçamento dói, o nome suja. O endividado pessoa física vive sob a sombra permanente da inadimplência e das restrições de crédito. Sua margem de manobra é mínima e seu poder de barganha, inexistente.

Quando o endividado é o Estado, porém, a lógica é outra. Governos não renegociam dívidas em balcões de banco, não sofrem ligações de cobrança, não têm o nome inscrito no Serasa. Em vez disso, ampliam limites, mudam regras, criam brechas. Um governo endividado simplesmente toma mais dinheiro emitindo títulos que serão pagos pelas gerações futuras. Se falta dinheiro para fechar as contas, muda-se a meta fiscal; se o orçamento aperta, inventa-se uma excepcionalidade; se o caixa não fecha, altera-se o arcabouço, cria taxas, aumenta impostos. A engenharia financeira oficial transforma inadimplência potencial em “ajuste contábil” e rombo em “investimento social”.

A diferença, portanto, não é apenas de escala e sim de poder. O cidadão paga pelos seus erros e pelos erros do Estado; o Estado não paga por quase nada. Enquanto famílias endividadas cortam gastos básicos, governos endividados ampliam despesas, multiplicam programas, distribuem benefícios e empurram para frente a conta de sua própria irresponsabilidade. A sociedade é convidada a acreditar que tudo isso é inevitável, quando na verdade é apenas conveniente para quem governa. É muito mais fácil prometer dinheiro público do que enfrentar reformas que exigem coragem política.

O resultado é perverso: o cidadão restringe consumo e aumenta sua fragilidade financeira, enquanto o governo, ao se endividar cada vez mais, compromete o País com juros elevados e crescimento anêmico. A dívida pública alta pressiona o crédito, reduz investimentos e corrói a renda do próprio trabalhador. Ou seja: o brasileiro paga duas vezes. Primeiro, pelos seus compromissos pessoais. Depois, pelos compromissos de quem governa como se nunca houvesse amanhã.

Não há saída fácil. Mas há escolhas. Um país só progride quando o Estado se comporta com a mesma disciplina que exige do cidadão. Governos deveriam ser os primeiros a praticar austeridade inteligente, a priorizar gastos essenciais, a abandonar o populismo que sacrifica o futuro em nome do calendário eleitoral. Enquanto isso não acontecer, continuaremos vivendo num país em que o cidadão faz sacrifício e o governo faz dívida. E quem sofre, no fim das contas, é sempre o mesmo lado da equação.

A política econômica brasileira está, mais uma vez, na rota previsível dos ciclos eleitorais: quanto mais se aproxima 2026, mais o governo parece disposto a recorrer a medidas de efeito imediato, custeadas por um caixa que não cresce no mesmo ritmo da ambição política. O País assiste a uma escalada de decisões populistas, travestidas de “alívio social”, que obscurecem um problema muito mais profundo: a deterioração acelerada da credibilidade fiscal. Ao flexibilizar metas, revisar parâmetros do arcabouço e ampliar gastos obrigatórios, o governo sacrifica a previsibilidade que sustenta investimentos, empregos e crescimento de longo prazo. A busca por dividendos eleitorais tem se sobreposto à responsabilidade com o futuro. Os números mostram que o País vem ampliando seu déficit estrutural mesmo em um cenário de arrecadação recorde.

Se o governo realmente pretendesse fortalecer o País, adotaria uma rota oposta: previsibilidade, rigor fiscal, metas claras e políticas sociais sustentáveis. Mas a lógica eleitoral fala mais alto, e o Brasil, novamente, encontra-se preso ao ciclo de promessas fáceis, enquanto adia decisões difíceis. A escalada do populismo fiscal não apenas compromete 2026; compromete também a próxima década. E, como sempre, serão os brasileiros que pagarão a conta que Brasília insiste em empurrar para o futuro, reforçando o vício do Estado: governar pelo atalho, e não pela estratégia.