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Editorial

Passando da hora de reequilibrar os Poderes

04 de Dezembro de 2025 às 21:14
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Duas decisões recentes, embora situadas em esferas distintas, convergem para um mesmo debate que há tempos domina o centro da política institucional brasileira: os limites — ou a contínua expansão deles — do Supremo Tribunal Federal. De um lado, a decisão do ministro Gilmar Mendes que retira do cidadão comum a possibilidade de denunciar crime de responsabilidade contra ministros do STF, conforme previa a Lei do Impeachment, também conhecida como Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei 1.079, de 1950), transferindo essa prerrogativa exclusivamente à Procuradoria-Geral da República. De outro, a aprovação na CCJ da Câmara do PL 3.640/2023, que busca impor limites às decisões monocráticas e padronizar o rito das ações de controle abstrato. Tais medidas escancaram um cenário em que o País finalmente se vê obrigado a discutir o que, por anos, foi empurrado para debaixo do tapete: o tamanho e o alcance do poder do Supremo.

A decisão de Gilmar Mendes não é um episódio isolado — ela se encaixa em uma sequência de atos que, ao longo dos últimos anos, ampliaram o raio de atuação e a blindagem institucional dos ministros. Se a intenção declarada é evitar que o STF seja alvo de ataques políticos travestidos de denúncias populares, o efeito concreto é outro: restringe-se o acesso da sociedade a um mecanismo que, embora raramente utilizado com eficácia, simbolizava a possibilidade de controle democrático sobre quem ocupa o topo da estrutura judiciária. Ao concentrar essa responsabilidade na PGR, o ministro reforça um modelo que afasta ainda mais o Supremo da opinião pública e o coloca sob a guarda de um órgão que, historicamente, nem sempre atuou com independência em relação ao poder político.

Além de aumentar o poder da PGR, o decano do STF ainda estabeleceu que os eventuais pedidos de afastamento de ministros da Corte só podem ser aprovados pelo Senado com votos de dois terços da Casa, ou seja ao menos 54 senadores. Em um país onde o Senado já exerce timidamente seu papel constitucional de fiscalização, retirar mais uma camada de participação cívica soa menos como proteção institucional e mais como autopreservação.

É justamente por esse acúmulo de tensões que o avanço do PL 3.640/2023 no Congresso ganha contornos de reação institucional. O Legislativo, há anos desconfortável com decisões monocráticas que interferem em políticas nacionais, eleições, normas fiscais e até prerrogativas parlamentares, finalmente articula uma resposta mais robusta. O projeto não sufoca o Supremo, como alguns discursos insistem, mas tenta impedir que um único ministro continue, sozinho, a paralisar leis, suspender atos administrativos e produzir efeitos nacionais sem diálogo ou colegialidade. Nada mais razoável em uma democracia que depende de pesos e contrapesos para respirar. Essa pauta agora segue para o Senado analisar.

A contradição entre os movimentos é reveladora: enquanto Gilmar Mendes afunila o acesso ao controle externo da Corte, a Câmara busca justamente abrir caminho para maior previsibilidade e debates mais amplos nas decisões do próprio STF. São forças que se enfrentam no tabuleiro institucional, evidenciando que o País vive um momento de disputa sobre “quem controla o controle”, uma discussão delicada, mas inevitável.

É evidente que o Brasil precisa de serenidade e maturidade para reconstruir parâmetros de atuação do Judiciário sem ameaçar a independência que lhe é essencial. Mas também é evidente que independência não pode significar inquestionabilidade. O STF tem desempenhado, por vezes, um papel de protagonista excessivo, e é natural e até saudável que outras instituições busquem reequilibrar o jogo. O que não se pode aceitar é que, em nome da estabilidade, decisões unilaterais reforcem a sensação de que o Supremo está acima do escrutínio público.

Reequilibrar os Poderes não é apenas uma tarefa institucional e sim uma exigência democrática. E exige, sobretudo, que todos os atores, inclusive o Supremo Tribunal Federal, reconheçam que nenhum poder deve estar imune à crítica, ao controle e aos limites que sustentam a República.