Editorial
Brasil patina na inovação científica
O Brasil atravessa um momento decisivo na corrida global pela inovação científica. Enquanto nações com economias comparáveis aceleram investimentos, ampliam redes de pesquisa, atraem talentos internacionais e transformam conhecimento em tecnologia de alto impacto, o País segue preso a um ciclo de descontinuidade, subfinanciamento e pouca integração entre universidade, setor privado e governo. A consequência é inequívoca: o Brasil está ficando para trás, e essa defasagem começa a comprometer não apenas a competitividade econômica, mas também a capacidade do País de responder a desafios sociais, sanitários e ambientais cada vez mais complexos.
O problema não é exatamente a ausência de centros de excelência ou de pesquisadores qualificados, afinal, o Brasil ainda produz ciência relevante, reconhecida e citada globalmente. O drama reside na incapacidade de transformar potencial em desenvolvimento concreto. O orçamento destinado à pesquisa varia ao sabor dos ciclos políticos, e a instabilidade na definição de prioridades estratégicas impede a consolidação de políticas de longo prazo.
Em muitos institutos, a reposição de quadros está estagnada, equipamentos envelhecem sem manutenção e projetos interrompidos se tornam sinônimo de desperdício de capital humano. Essa inércia estrutural não apenas impede saltos tecnológicos, mas afasta pesquisadores talentosos, que buscam no exterior o reconhecimento e as condições materiais que o País não oferece.
Além disso, a distância histórica entre universidades e empresas continua sendo um obstáculo relevante. No Brasil, a cultura de inovação raramente se converte em produtos, processos industriais ou serviços capazes de competir em grande escala. Falta ambiente regulatório estável, falta financiamento robusto, e falta, sobretudo, a visão de que ciência não é despesa, mas um investimento que só dá frutos quando sustentado por décadas. O resultado é um ecossistema fragmentado, onde startups surgem, mas não escalam; laboratórios produzem conhecimento, mas não geram tecnologia; e políticas públicas se revezam entre entusiasmo e abandono.
A urgência do tema se impõe. Em áreas como inteligência artificial, biotecnologia, semicondutores, energia limpa e novos materiais, a defasagem brasileira aumenta ano após ano. Enquanto isso, países emergentes que antes eram pares — como Coreia do Sul, Índia, Polônia e até pequenas economias do Sudeste Asiático — já operam em patamares de eficiência e inovação difíceis de alcançar sem uma mudança profunda de prioridades. O Brasil, que insiste em tratar ciência como variável secundária, corre o risco de consolidar sua posição como mero consumidor de tecnologia estrangeira, incapaz de competir em cadeias globais de valor.
É preciso reconhecer que inovação científica não se constrói apenas com aumentos pontuais de orçamento. Exige compromisso nacional, governança clara e uma estratégia perene que sobreviva a governos e vaidades. Exige também respeito ao pesquisador, incentivo à inovação empresarial e um pacto público que compreenda, de forma madura, que ciência é o motor invisível de qualquer país que aspire a desenvolvimento sustentável e autonomia tecnológica.
Não há saída mágica, mas há escolhas. O País precisa transformar ciência e inovação em prioridade permanente, blindada de ciclos eleitorais e disputas ideológicas. É preciso assegurar financiamento estável às agências de fomento, estimular ambientes de pesquisa de alta complexidade, atrair empresas intensivas em tecnologia e, sobretudo, valorizar o trabalho dos cientistas brasileiros. Sem essa mudança de rota, o Brasil continuará assistindo de longe às grandes revoluções tecnológicas, sempre como consumidor tardio das ideias que outros países tiveram coragem de desenvolver.
Se o Brasil não revisar urgentemente suas escolhas, perderá mais que oportunidades econômicas, perderá futuro. E recuperar terreno em ciência, uma vez deixado para trás, é sempre mais difícil, mais caro e mais lento que avançar com consistência desde o início. A corrida global já começou, e o Brasil, infelizmente, ainda está apenas arrumando os sapatos.