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Editorial

A economia da distração verde

10 de Novembro de 2025 às 21:00
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Ao mesmo tempo em que o Brasil sedia a COP30, em Belém, a capital do Pará, o governo Lula parece mais interessado nos holofotes do protagonismo ambiental do que em enfrentar a realidade econômica que ameaça a estabilidade do País. Sob o discurso da sustentabilidade e da “nova economia verde”, a administração federal tenta projetar ao mundo uma imagem de responsabilidade ecológica e liderança global, mas internamente o que se vê é uma gestão cada vez mais paralisada, presa a promessas fiscais que não se concretizam e a um modelo de gasto público que se expande sem lastro.

Na prática, os números revelam o tamanho do descompasso. A International Monetary Fund (FMI) projeta que o crescimento da economia brasileira cairá para cerca de 2,3% em 2025, frente a 3,4% em 2024. A inflação, por sua vez, está estimada em 5,2% até o fim do ano — bem acima da meta de 3% — com convergência só esperada para 2027, enquanto a Taxa Básica de Juros (Selic), surfa em 15% e assim ficará por tempo prolongado, conforme projeta o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central do Brasil.

No plano da dívida pública, a situação também exige atenção: projeções do mercado apontam para uma dívida bruta do governo geral chegando à casa dos 92% do PIB em 2025.

Ainda mais grave: para estabilizar essa dívida, especialistas estimam que seria necessário gerar um superávit primário de cerca de 3% do PIB, numa economia que mal cresce a 2% e vive com juros elevados.

O governo transformou a pauta climática em bandeira política. A COP30, que deveria ser oportunidade de reafirmar compromissos sérios de descarbonização e desenvolvimento sustentável, vem sendo usada como palco de autopromoção e vitrine de alianças partidárias. A recente polêmica sobre a embarcação presidencial usada durante o evento é sintoma do descompasso entre o discurso e a prática: fala-se em sustentabilidade, mas a prioridade parece ser o conforto e o marketing do poder. O simbolismo da Amazônia — tão rico e potente — vem sendo apropriado para fins de imagem, enquanto as populações da região continuam abandonadas à precariedade estrutural e à ausência de políticas de base.

Enquanto isso, a economia real dá sinais preocupantes. O crescimento desacelera, o consumo das famílias retrai, o endividamento segue alto e o mercado financeiro demonstra ceticismo quanto à capacidade do governo de cumprir o novo arcabouço fiscal. O Ministério da Fazenda tenta, isoladamente, conter a expansão dos gastos, mas é minado pela própria ala política que insiste em ampliar despesas e programas de efeito curto, com forte apelo eleitoral. Fala-se em “transição ecológica”, mas o País mal consegue equilibrar suas contas.

Há, portanto, uma distância cada vez maior entre o Brasil que o governo vende lá fora e o que os brasileiros vivem aqui dentro. Essa economia da distração — que usa causas nobres para disfarçar a falta de gestão — não é nova, mas se renova a cada discurso. O verde das florestas serve de pano de fundo para encobrir o vermelho das contas públicas. E enquanto o País tenta parecer moderno aos olhos do mundo, continua preso aos mesmos dilemas de sempre: baixa produtividade, gasto ineficiente, dependência do Estado e ausência de planejamento.

A COP30 poderia, sim, ser um marco de virada — um momento de reposicionar o Brasil como exemplo de sustentabilidade com responsabilidade fiscal. Mas, se o evento continuar a ser conduzido como espetáculo político, o risco é que o País saia dele ainda mais distante daquilo que realmente importa: crescimento sólido, equilíbrio econômico e respeito efetivo às futuras gerações. A economia verde é bem-vinda; o que o Brasil não pode mais sustentar é uma economia da distração.

Diante de tantos contrastes, algumas perguntas parecem inevitáveis. Pode um governo que fala em austeridade justificar gastos milionários para sediar um evento internacional que, em essência, cobra responsabilidade e coerência? Só a Presidência da República já gastou R$ 382 milhões, mas precisa somar outros gastos federais e dos governo do Pará e do município de Belém. Faz sentido promover a imagem de “líder verde” enquanto se autoriza a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, um dos ecossistemas mais sensíveis do planeta? Até que ponto a retórica da sustentabilidade serve mais ao marketing político do que à transformação real da economia?