Editorial
O poder das emendas parlamentares
As emendas parlamentares ocupam um espaço central no debate político brasileiro. Instrumento inserido no processo legislativo, elas foram instituídas com o objetivo de garantir que deputados e senadores pudessem direcionar recursos públicos para as demandas específicas de suas bases eleitorais.
Em tese, representam um elo entre a população e o poder central, corrigindo distorções orçamentárias e levando investimentos a regiões que muitas vezes ficariam esquecidas pela União. É inegável que escolas foram reformadas, hospitais receberam novos equipamentos e estradas foram pavimentadas — entre outras obras públicas — graças a esse mecanismo.
Mas a prática, como quase sempre, desvia da teoria. Nos últimos anos, as emendas passaram a ser vistas não apenas como instrumento de representação, mas como moeda de troca política. Governos, em busca de apoio no Congresso, distribuem recursos bilionários em emendas para consolidar maiorias. O resultado é a distorção do orçamento público: áreas estratégicas como saúde, educação e segurança ficam reféns de negociações que nem sempre priorizam o interesse coletivo, mas sim a conveniência partidária ou eleitoral.
Outro ponto crítico é a falta de transparência. Emendas chamadas “de relator”, popularizadas sob o rótulo de “orçamento secreto”, revelaram o lado mais sombrio dessa prática: verbas públicas direcionadas sem critérios claros, com baixa fiscalização e alto risco de corrupção. A lógica republicana cede espaço ao clientelismo e ao fortalecimento de caciques regionais.
Por outro lado, seria injusto demonizar as emendas como um todo. Quando aplicadas com transparência, acompanhadas por órgãos de controle e alinhadas às reais necessidades da sociedade, elas funcionam como mecanismo democrático essencial. Deputados e senadores, afinal, não estão em Brasília apenas para votar projetos, mas também para assegurar que suas comunidades recebam investimentos que, de outra forma, dificilmente chegariam.
É certo, também, que é bem mais fácil um determinado município brasileiro apresentar sua demanda a um parlamentar — que quase sempre está em sua base e, portanto, próximo da realidade do que representantes do Poder Executivo federal.
O dilema das emendas parlamentares, portanto, não está em sua existência, mas em sua utilização. Entre a ferramenta democrática e o vício político, o Brasil ainda busca o equilíbrio. O desafio é transformar um instrumento frequentemente capturado pelo jogo do poder em uma verdadeira ponte entre a cidadania e o orçamento público.
Estudo de consultores da Câmara dos Deputados mostra que as emendas parlamentares de despesas orçamentárias alcançam 22 estados e o Distrito Federal, somando mais de R$ 11 bilhões. As emendas federais também aparecem em metade das capitais, com valor total de R$ 1 bilhão.
As emendas estaduais e municipais, em sua maioria impositivas, são incluídas nos orçamentos locais. O estudo foi elaborado pelos consultores Giordano Ronconi, Gustavo Fialho e Walter França Neto. Eles analisam decisões do Supremo Tribunal Federal que indicam a necessidade de assembleias e câmaras seguirem os mesmos critérios aplicados no âmbito federal.
Minas Gerais concentra o maior volume de emendas em valores absolutos, com R$ 2,2 bilhões. O Distrito Federal lidera em valor por parlamentar, com R$ 30,3 milhões. A participação das emendas nos investimentos públicos varia de 2% no Ceará a 134% em Roraima. No caso da União, o índice é de 71,4%.
Entre as capitais, Belo Horizonte (MG) recebeu o maior valor, com R$ 525 milhões no total e R$ 12,8 milhões por vereador. Campo Grande (MS) ficou com o menor montante, R$ 8,1 milhões, ou R$ 280 mil por vereador.
Segundo a Agência Câmara de Notícias, o cálculo das emendas varia entre os municípios. No modelo federal, deputados federais têm direito a 1,55% da receita líquida, e senadores, a 0,45%. O estudo observa que há casos de emendas coletivas e de bancada, o que evidencia a diversidade de critérios. Para os autores do estudo, essa diferença em relação ao padrão federal pode abrir margem para questionamentos jurídicos.