Editorial
Rios da Amazônia à venda
O petismo é historicamente e ideologicamente contra as privatizações de estatais, defendendo a maior participação do Estado na economia e considerando a privatização como uma entrega do patrimônio público. Em muitas das ocasiões, a defesa veemente desse posicionamento — em forma de discursos inflamados e condenatórios a quem pensa diferente — tem a missão de agradar a bolha.
Na teoria, esse pensamento até cola. Mas, na prática, a história é outra. Neste terceiro mandato de Lula na presidência do Brasil há movimentos que sugerem hiprocrisia. Sabe aquela expressão “faça o que eu mando”, usada em referência à atitude de quem dita ordens contrárias ao que prega, quando o que se diz é diferente do que se faz? A falta de coerência entre o que se diz e o que se faz desvaloriza as palavras da pessoa e compromete a credibilidade da sua autoridade.
Vamos aos fatos.
Em 28 de agosto de 2025, Lula assinou o Decreto Nº 12.600 — que foi publicado no Diário Oficial da União do dia 29 de agosto — que inclui as hidrovias dos rios Madeira, Tocantins e Tapajós no Programa Nacional de Desestatização (PND), abrindo caminho para a concessão dessas vias estratégicas da Amazônia à iniciativa privada, sob o pretexto de “atrair investimentos para o setor logístico e do agronegócio e modernizar a infraestrutura nacional”. Na prática, isso significa que esses rios serão entregues à iniciativa privada por meio de concessões via leilão.
O que se esconde atrás desse discurso é a entrega de riquíssimo patrimônio nacional ao capital privado, transformando rios estratégicos em objeto de exploração econômica. E, como essa entrega será dada por leilão — a quem oferecer mais — não se sabe quem vai gerir um importante pedaço da Amazônia. Pode ser empresas parceiras ligadas à China, à Rússia, ao Irã, ao Hammas... Parece exagero, mas tudo é possível quando envolve dinheiro e interesses.
Há, inclusive, uma expressão dita em algumas rodas privilegiadas de conversas dizendo que “a China está de olho na Amazônia”, em referência ao interesse econômico e estratégico do governo chinês na região amazônica, impulsionado principalmente pela busca por commodities agrícolas e minerais, bem como por projetos de infraestrutura, parcerias diversas e a crescente importação de recursos da bacia amazônica, o que torna a região um fornecedor vital para os interesses do país comunista.
Neste ponto, é necessário uma importante observação. A China — ou qualquer país — não pode sair comprando terras, no sentido de assumir posse territorial, no Brasil. A legislação impede a aquisição de controle de propriedades rurais por grupos internacionais, e o tema de compra de terras por estrangeiros é polêmico no Brasil e fere a soberania nacional.
Por isso, os chineses, no caso, investem em parcerias. Mas, há sim preocupações sobre o aumento da influência chinesa através destes investimentos e a dependência econômica do Brasil em relação ao país asiático, especialmente no que diz respeito ao agronegócio. Mas, no caso do leilão de rios amazônicos, essa soberania pode sim ser desrespeitada.
A primeira concessão envolvendo rios será a relacionada à Hidrovia do Rio Madeira, considerada a navegação do município de Porto Velho, em Rondônia, até a foz com o Rio Amazonas, em Itacoatiara, no Amazonas, em um trecho de aproximadamente mil e setenta e cinco quilômetros. O contrato prevê 12 anos de exploração, com investimento inicial de R$ 109 milhões em dragagem, sinalização e terminais. Mas o detalhe que quase não aparece é que 80% da remuneração das concessionárias virá de fundos abastecidos com dinheiro público, enquanto apenas 20% virá de tarifas sobre cargas. Ou seja, o contribuinte paga a conta e o lucro vai para as empresas. E esse negócio será bom para muita gente, menos aos brasileiros que, aos poucos irão perder a gestão da Amazônia. Além disso, R$ 109 milhões para comprar um rio estratégico como o Madeira é um dinheiro irrisório.
Depois virá a Hidrovia do Rio Tocantins, considerada a navegação entre Belém, no Pará, e o município de Peixe, no Tocantins, em um trecho de aproximadamente mil setecentos e trinta e um quilômetros; e, em seguida, a Hidrovia do Rio Tapajós, entre Itaituba, no Pará, até sua a foz com rio Amazonas, em Santarém, também no Pará, em um trecho de aproximadamente duzentos e cinquenta quilômetros.
No papel, o governo promete que barcaças vão substituir caminhões, diminuindo custos e poluição. Mas, na prática, isso significa que três grandes rios da Amazônia estarão sob controle privado, sem debate com a sociedade e sem garantias de que a população local será beneficiada. É certo de que não será!
O governo Lula insiste em vender a ideia de “modernização”, mas o que se vê é o mesmo modelo de sempre: recursos públicos bancando projetos que geram lucros privados. É uma espécie de “venda temporária”, em que o Estado continua dono, mas quem manda e lucra são empresas privadas.
A grande questão é: até quando a Amazônia, patrimônio vital para o Brasil e para o mundo, será entregue em pedaços sob a desculpa de desenvolvimento?
O interessante é que pouco — ou quase nada — tem sido falado sobre isso. Há muita fumaça no ar, lançada por interesses duvidosos, escondendo práticas nada republicanas que se somam às ações que contrariam os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, como a corrupção, o uso da máquina pública para fins pessoais, a negação do Estado de direito, a desigualdade perante a lei, a concentração indevida de poder e a falta de responsabilidade no exercício dos cargos públicos.