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Editorial

Devedores contumazes

03 de Setembro de 2025 às 21:30
Cruzeiro do Sul [email protected]
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O Senado aprovou na terça-feira, por unanimidade, o projeto que cria o Código de Defesa dos Contribuintes. Um dos principais focos está nos chamados devedores contumazes, empresas que usam a inadimplência fiscal como estratégia de negócio e deixam de pagar tributos de forma reiterada e sem justificativa. O texto, aprovado em dois turnos, segue para a Câmara dos Deputados.

O projeto traz normas sobre direitos, garantias e deveres dos cidadãos na relação com o Fisco. O texto reuniu as sugestões elaboradas por uma comissão de juristas criada em 2022 para modernizar o processo administrativo e tributário brasileiro.

No texto aprovado, com 58 artigos, há ferramentas para coibir fraudes como as descobertas pela operação “Carbono Oculto”, da Polícia Federal, que investigou lavagem de dinheiro via fundos de investimentos. Também inclui novas regras, como programas de conformidade tributária, que favorecem bons pagadores, com benefícios como um bônus pelo pagamento em dia dos tributos, que pode chegar a R$ 1 milhão anualmente.

O projeto aprovado deixa claro que o devedor contumaz não se confunde com o contribuinte em situação de inadimplemento eventual ou aquele que enfrenta dificuldades financeiras momentâneas. O contumaz age com dolo [intenção] estruturando sua atividade econômica a partir do inadimplemento sistemático, em clara concorrência desleal com os que cumprem suas obrigações fiscais.

Um estudo da Receita Federal aponta dívida de R$ 200 bilhões por parte de 1.200 CNPJs durante a última década. É quase certo que esses R$ 200 bilhões nunca serão recuperados pela Receita, mas o projeto pode coibir esse tipo de prática no futuro.

O devedor contumaz é definido, em âmbito federal, como o contribuinte com dívida injustificada, superior a R$ 15 milhões e correspondente a mais de 100% do seu patrimônio conhecido. Em âmbito estadual e municipal, o texto considera como devedor contumaz quem tem dívidas com os fiscos de forma reiterada (por pelo menos quatro períodos de apuração consecutivos ou seis alternados no prazo de 12 meses) e injustificada.

Os valores para a caracterização desse devedor com relação aos fiscos estaduais e municipais serão previstos em legislação própria para esse fim. Caso isso não ocorra, será aplicada a mesma regra prevista para a esfera federal.

Para descaracterizar a situação de devedor contumaz, o contribuinte pode alegar a ocorrência de estado de calamidade reconhecida pelo Poder Público; a apuração de resultado negativo no exercício financeiro corrente e no anterior, sem indícios de fraude ou má-fé; e, no caso de execução fiscal, ausência da prática de fraude, mas não poderá ter benefícios fiscais, participar de licitações e firmar contratos com a administração pública ou propor recuperação judicial. Além disso, poderá ser considerado inapto no cadastro de contribuintes, o que gera diversas restrições à empresa.

O texto aprovado traz, ainda, as regras do processo administrativo para identificação do devedor contumaz. Entre elas está a concessão do prazo de 30 dias a partir da data da notificação para regularizar a sua situação. Dentro desse prazo, o contribuinte poderá apresentar defesa com efeito suspensivo do processo.

A suspensão do processo, no entanto, não poderá ser aplicada em alguns casos, como indícios da criação da empresa para a prática de fraude ou sonegação fiscal, evidências de participação em organização criada para sonegar tributos, venda ou produção de mercadoria ilegal, uso de laranjas e domicílio inexistente.

Recentes fraudes descobertas pela operação “Carbono Oculto”, da Polícia Federal, também motivaram alterações no relatório. A operação investiga lavagem de dinheiro via fundos de investimentos com o envolvimento de distribuidoras de combustível usadas pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).

Uma dessas mudanças confere à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a competência para estabelecer valores mínimos de capital social, exigir comprovação da licitude dos recursos e identificar o titular efetivo das empresas interessadas. A intenção é inibir a atuação dos chamados “laranjas” e diminuir o risco de apropriação do mercado por organizações criminosas.