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Editorial

Dois pesos e duas medidas

29 de Agosto de 2025 às 21:30
Cruzeiro do Sul [email protected]
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A expressão popular “dois pesos e duas medidas” funciona como uma lente para observar assimetrias, privilégios e inconsistências no tratamento de situações semelhantes. Seu uso é reprovado em várias situações cotidianas e é desabonado, inclusive, na Bíblia (nos livros de Deuteronômio e Provérbios), pois não é aceitável que um mesmo fato receba tratamento distinto conforme o interlocutor, o contexto ou o objetivo que se busca. Do contrário, permite a interpretação de haver favoritismo. Na economia, pode se traduzir em subsídios disfarçados, exceções tributárias concedidas a certos setores ou grupos, enquanto outros ficam sem amparo. Na esfera social, a expressão denuncia desigualdade de oportunidade, acesso ou punição.

A falta de um padrão único leva à injustiça, pois as pessoas não são tratadas de forma equitativa. Isso compromete as mais variadas relações: no casamento, no trabalho, na sociedade. É um exemplo de “dois pesos e duas medidas” quando a sociedade condena certos comportamentos em um grupo e os ignora ou minimiza em outro.

E no campo judicial? Nos últimos dias, na Região Metropolitana de Sorocaba, tivemos um clássico exemplo de decisões que podem ser enquadradas no conceito de “dois pesos e duas medidas”.

No dia 20, um homem detido em Itu pelas forças policiais, com cerca de 224 quilos de pasta base de cocaína, obteve liberdade provisória após audiência de custódia. A decisão surpreendeu, pois o juiz classificou que a “quantidade de droga apreendida não foi exacerbada”. Fontes policiais ouvidas pela reportagem do jornal Cruzeiro do Sul demonstraram espanto com a situação, já que a realidade demonstra o contrário e, com isso, desmerece o trabalho realizado e coloca em xeque a credibilidade do Judiciário. Cinco dias depois, no dia 25, o juiz que concedeu liberdade ao traficante, afirmou que houve um equívoco no texto publicado na decisão, pois se tratava da íntegra de um material-modelo utilizado. Ele admitiu que houve um equívoco na construção do texto, “pois é evidente que a quantidade de droga encontrada é elevada”. No entanto, manteve o homem livre, podendo inclusive continuar a transportar drogas.

No dia 27, um casal — suspeito de integrar uma organização criminosa envolvida com o tráfico de drogas na região — foi preso numa operação conjunta da Polícia Militar e do Ministério Público, em Tatuí. Com eles, em um imóvel, foram encontrados e apreendidos tijolos de maconha e um pacote de cocaína, totalizando 4,3 kg de entorpecentes.

O casal — igualmente ao homem de Itu — passou pela audiência de custódia e teve a sua prisão em flagrante transformada em preventiva. Essa medida cautelar, exemplar, sem prazo de tempo, garante que o processo judicial possa seguir corretamente e evitar riscos ao andamento da investigação ou à ordem pública.

Dessa forma, resta a pergunta: por qual motivo houve “dois pesos e duas medidas” se em ambos os casos pessoas foram presas em flagrante com quantidade de drogas que caracteriza o tráfico? No caso de Itu, há, ainda um agravante. Embora o texto tenha sido posteriormente corrigido, houve a admissão que o primeiro trata-se de uma cópia aplicada erroneamente.

Assim, cabe outra pergunta: qual decisão tomada pelo juiz em cada uma das audiências de custódia está correta? Para a opinião pública — e também para as forças de segurança que combatem o crime nas ruas — a decisão do caso de Itu está equivocada e a do caso de Tatuí corretíssima.

Sobre a decisão de Itu, o secretário estadual de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite, considerou um desrespeito com o trabalho policial e, principalmente, com a população”.

É fato que um juiz não deve decidir situações com base na sua intuição ou convicção pessoal, mas sim levar em conta as provas e os fatos de forma racional, produzindo um convencimento que também seria alcançado por qualquer pessoa racional.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), por sua vez, afirma que não se manifesta sobre questões jurisdicionais e que cabe às partes a interposição dos recursos previstos em lei.

O importante aqui é a reflexão: as forças de segurança não podem — e não devem — sair às ruas para enxugar gelo. Operações policiais demandam recursos públicos e muito esforço humano, sem contar o risco de morte dos profissionais. Nas audiências de custódia, o operador do Direito deve agir para evitar que haja “dois pesos e duas medidas”.