Editorial
Possíveis mudanças no processo de obtenção da CNH
O ministro dos Transportes, Renan Filho, afirmou, na semana passada, que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende reduzir burocracias para a emissão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), entre elas acabar com a obrigatoriedade do candidato passar por autoescola.
“É caro, trabalhoso e demorado (tirar a licença de motorista no Brasil hoje). São coisas que impedem as pessoas de ter carteira de habilitação, por isso estamos defendendo, no Ministério dos Transportes, um projeto transformador para baratear a carteira de motorista à luz da experiência internacional. Há muitos países em que é muito mais barato do que no Brasil. Facilitaria muito a vida do cidadão, do jovem que quer ter a carteira para buscar o primeiro emprego”, afirmou o ministro em entrevista à Folha de S. Paulo.
De acordo com Renan Filho, atualmente o custo para emissão da carteira de motorista é entre R$ 3 mil e R$ 4 mil, valor próximo ao preço de uma motocicleta usada.
Esse custo, defende o ministro, poderia ser reduzido em mais de 80% com a retirada da obrigatoriedade do condutor fazer aulas de direção e de conduta no trânsito em autoescolas e Centros de Formação de Condutores (CFC), entre outras burocracias não citadas.
O estudo para implementação da mudança já foi concluído pelo Ministério dos Transportes e agora será avaliado pelo presidente Lula, também conforme o ministro. As provas teórica e prática para a aprovação do condutor continuam, mas o candidato poderá estudar pela internet, com um familiar ou em oficinas populares.
O ministro lulista acredita que o fim da obrigatoriedade do pretendente a ter uma CNH receber instruções em autoescolas “ajuda o País, de maneira geral, porque fomenta o setor produtivo, facilita a empregabilidade”. A expectativa do governo é reduzir a quantidade de pessoas na irregularidade, dirigindo sem carteira de motorista, e diminuir a idade média em que o cidadão obtém sua CNH. De acordo com Renan Filho, a medida não exige aprovação do Congresso Nacional, mas apenas regulamentação pelo presidente.
Na fala do ministro de Lula, a coisa parece bem simplista. No entanto, para Paulo Guimarães, CEO do Observatório Nacional de Segurança Viária, a ideia pode ter efeito oposto. Em entrevista à rádio Eldorado, o especialista disse que “países com melhores indicadores de segurança viária têm processos rígidos e formais de formação, muito mais próximos de um modelo educacional do que de simples treinamento”, afirmou, ressaltando que aprender a dirigir com familiares, como sugere o ministro, ignora padrões de segurança e fiscalização.
Guimarães também questiona os números apresentados pelo governo Lula. Segundo ele, o custo médio da CNH categoria B em São Paulo é de R$ 1,6 mil a R$ 1,8 mil, e programas como a CNH Social já oferecem gratuidade para pessoas de baixa renda em 17 Estados e no âmbito federal. “Formar motoristas não é só ensinar a passar na prova. É desenvolver percepção de risco e tomada de decisão. Tirar os CFCs da equação é um risco enorme”, disse.
Para o Observatório Nacional de Segurança Viária, outro ponto sensível é o fato de que o comportamento humano é responsável por aproximadamente 90% das mortes no trânsito em rodovias federais. A formação adequada de condutores, portanto, é uma política pública indispensável para a redução de mortes e lesões no trânsito. Portanto, “não se trata de resistir à mudança, mas de garantir que ela não venha acompanhada de retrocessos. O trânsito brasileiro ainda mata mais de 35 mil pessoas por ano. A prioridade deve ser sempre salvar vidas — e a formação de condutores é uma das ferramentas mais eficazes nesse propósito.
Para Paulo Guimarães, “a sinalização de desobrigação da formação formal de condutores de veículos pode representar um grave retrocesso, na medida em que fragiliza a governança da política pública de trânsito, transfere para o cidadão a responsabilidade exclusiva pela sua qualificação e rompe com o modelo de sistema seguro adotado globalmente, que preconiza responsabilidade compartilhada entre Estado, instituições e usuários da via”.