Editorial
Das certezas e incertezas
Ontem, o Banco Central informou que o endividamento das famílias brasileiras com o sistema financeiro passou para 49% em maio e que o comprometimento de renda das famílias com o Sistema Financeiro Nacional passou para 27,8%.
Já a Pesquisa do Endividamento e Inadimplência do Consumidor, da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), com dados mais atualizados, mostrou que em junho sete em cada dez lares (71,4%) paulistas estavam endividados e 21,6% conviviam com contas atrasadas. Ainda havia um total de 9% sem condições de pagar as dívidas. No total, havia quase 3 milhões de famílias endividadas somente na capital paulista em junho, das quais 882,8 mil estavam inadimplentes.
Na leitura da FecomercioSP, vários fatores explicam o contexto endividado das famílias, como a inflação, o que fez com que muitas perdessem o controle do orçamento doméstico.
Quando isso acontece, a saída é sempre o crédito como complemento da renda. Os juros altos contribuem para essa situação — a Selic foi a 15% ao ano na última reunião do Copom, do Banco Central (BC), segunda maior taxa nominal do mundo.
Por falar em Selic, para a reunião desta semana — que acontece entre hoje e amanhã —, a aposta dos economistas é de que o Comitê de Política Monetária (Copom) deve manter a taxa básica de juros em 15% ao ano e segurá-la neste patamar durante todo o segundo semestre de 2025.
A grande questão é que no Brasil há muitas incertezas e quase nenhuma certeza. A previsão do mercado financeiro para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — considerado a inflação oficial do País — passou de 5,1% para 5,09% este ano. É a nona redução seguida na estimativa, publicada no Boletim Focus de ontem. A pesquisa é divulgada semanalmente pelo Banco Central (BC) com a expectativa de instituições financeiras para os principais indicadores econômicos.
A estimativa para 2025 está acima do teto da meta de inflação que deve ser perseguida pelo BC. Definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), a meta é de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Ou seja, o limite inferior é 1,5% e o superior 4,5%.
Em junho, mesmo pressionada pela energia elétrica, a inflação oficial — divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — perdeu força e fechou em 0,24%, marcada pela primeira queda no preço dos alimentos depois de nove meses. Apesar da desaceleração nos últimos meses, o índice acumulado em 12 meses alcançou 5,35%, ficando pelo sexto mês seguido acima do teto da meta de até 4,5%.
Acontece, que vem por aí mais uma elevação na tarifa de energia elétrica. O mês de agosto terá um aumento nas contas de energia devido ao acionamento da bandeira tarifária vermelha, no maior patamar, o 2, conforme avisou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Com isso, os consumidores terão custo extra de R$ 7,87 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos.
Segundo a Aneel, a adoção da bandeira no patamar 2, após ter acionado o patamar 1 em junho e julho, ocorreu diante do cenário de chuvas abaixo da média em todo o País, o que reduziu a geração hidrelétrica. Da justificativa técnica há uma explicação plausível. Acontece é que esse impacto cai direto nas contas das famílias já endividadas e no custo de vida do brasileiro. Certamente, daqui a uns dias, haverá reflexo na inflação, sendo necessário novas contas e, possivelmente medidas até mesmo indigestas.
Ainda é necessário, dentro do possível, calcular os efeitos do tarifaço de Trump, previstos para entrar em vigor dentro de três dias, em 1º de agosto. Neste momento, há frentes tentando estabelecer diálogos com os Estados Unidos, mesmo que tardiamente. O Ministério da Economia informou que o Brasil tem à disposição uma série de medidas de retaliação comercial contra os EUA que não provocam impacto na inflação. Espera-se que isso realmente não aconteça. Se há um lado que não provocou essa situação é o povo brasileiro. Porém, como num enredo repetido, quem acaba pagando a conta é mesmo é o cidadão que já está com a corda no pescoço.