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Editorial

Episódio da tornozeleira: reflexões são necessárias

18 de Julho de 2025 às 21:30
Cruzeiro do Sul [email protected]
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Nesta sexta-feira (18), o Brasil foi palco de um episódio que certamente ficará marcado na memória política e jurídica do País. A colocação da tornozeleira eletrônica no ex-presidente Jair Bolsonaro, seguida de sua reação firme e veemente em entrevista à imprensa, reacendeu debates sobre os limites do poder, o papel das instituições e a própria essência do Estado de Direito em tempos de polarização extrema.

O episódio, que poderia parecer isolado, revela uma dinâmica mais profunda que atravessa o cenário político nacional. Bolsonaro, figura polarizadora e sempre presente na mídia, reagiu com resistência e questionamentos à medida judicial que determinou seu monitoramento eletrônico. Sua postura de desafiar o atual sistema, de afirmar que “não aceitará imposições” e de criticar o que chamou de “perseguição política”, reforça a narrativa de um líder que se vê como vítima de uma justiça que, segundo ele, estaria sendo usada para fins políticos.

Para muitos, Bolsonaro representa uma figura de resistência contra o que interpretam como excessos ou injustiças, enquanto outros veem na sua postura uma tentativa de deslegitimar o processo judicial.

Por outro lado, a decisão de aplicar a tornozeleira eletrônica, uma medida prevista na legislação brasileira para monitoramento de indivíduos sob investigação ou condenados, demonstra que o sistema judicial, apesar das críticas e polarizações, mantém sua rotina de aplicação da lei. É importante destacar que a Justiça, ao agir dessa forma, busca garantir a ordem, a segurança pública e o cumprimento das decisões judiciais, pilares essenciais de qualquer Estado democrático de direito.

Porém, a Justiça precisa manter a sua posição e coerência, o que não ocorreu em decisões recentes, em que condenados tiveram suas sentenças canceladas, como foram os casos de Lula, preso pela operação Lava Jato, e que posteriormente ganhou condições jurídicas de concorrer às eleições e se tornar novamente presidente, e do doleiro Alberto Youssef, que ficou conhecido após o escândalo do Banestado, e da mesma forma foi condenado e depois inocentado, apesar de todas as evidências de sua culpabilidade nas provas apresentadas.

No entanto, o que torna esse episódio ainda mais relevante é o paralelo com a atitude do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Recentemente, Moraes tomou para si a decisão de manter o decreto do governo sobre o IOF e, consequentemente, de aumentar o limite do Imposto sobre Operações Financeiras _ sem passar pelo Congresso Nacional, invadindo uma prerrogativa que tradicionalmente cabe ao Legislativo.

Essa ação, que gerou debates acalorados sobre os limites do poder judiciário e a separação de poderes, revela uma tendência de centralização de decisões em momentos de crise, alimentando a sensação de que o Executivo e o Legislativo perdem espaço para o Judiciário, que passa a exercer funções que deveriam ser compartilhadas.

Ao estabelecer esse paralelo, podemos perceber uma questão central: até que ponto o poder deve ser concentrado em uma única instância? A autonomia do Judiciário é fundamental para garantir a imparcialidade e a justiça, mas ela não pode se transformar em uma espécie de legislador de fato, assumindo funções que competem ao Parlamento.

Assim como Bolsonaro reage às ações do sistema judicial, questionando sua legitimidade e autonomia, o STF, ao tomar decisões de grande impacto sem o devido debate político, também provoca tensões e dúvidas sobre os limites de sua atuação.

Ainda nesta questão, vale lembrar o posicionamento do ex-ministro Marco Aurélio de Mello, que ao longo de seus 31 anos como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), demonstrou uma visão marcada pela defesa do Estado Democrático de Direito, com ênfase na importância da lei, da Constituição e da atuação do magistrado voltada para a busca da justiça, mas sempre dentro dos limites do ordenamento jurídico. Ele criticou a politização do STF e a subserviência do Judiciário a interesses políticos, defendendo a independência e a imparcialidade da corte.

Ambos os episódios evidenciam uma crise de equilíbrio entre os poderes. A polarização política, que se intensificou nos últimos anos, alimenta uma narrativa de confronto constante, em que cada decisão é vista como uma afronta ou uma vitória de um lado ou de outro. Nesse cenário, a sociedade precisa refletir sobre o papel de cada instituição e sobre a importância de respeitar os limites constitucionais, buscando soluções que fortaleçam a democracia e não a fragmentem.

A reação de Bolsonaro nesta sexta-feira reforça a necessidade de diálogo e de respeito às instituições, mesmo quando há discordâncias legítimas. A Justiça deve ser aplicada com firmeza, mas também com transparência e responsabilidade. Da mesma forma, o papel do STF e do Legislativo é fundamental para garantir o equilíbrio e a harmonia entre os poderes, essenciais para a estabilidade democrática.

É importante que a sociedade, ao acompanhar esses acontecimentos, mantenha uma postura de reflexão e análise crítica. A justiça deve ser aplicada de forma imparcial, respeitando o Estado de Direito e os direitos de todos os cidadãos, independentemente de suas posições políticas ou sociais.

Em tempos de crise, é fundamental que o País se mantenha firme na defesa de suas regras e valores, garantindo que todos sejam tratados com justiça e equidade. A responsabilização de figuras públicas, mesmo aquelas com grande influência, deve ser feita com base na lei, sem concessões ou privilégios.

Este episódio também nos leva a refletir sobre o papel da mídia na cobertura de casos sensíveis. A forma como os fatos são apresentados e interpretados pode influenciar a opinião pública e moldar o clima social. Portanto, é essencial que a imprensa mantenha um compromisso com a ética, a imparcialidade e a responsabilidade, contribuindo para uma sociedade mais informada e consciente.

Por fim, que os acontecimentos desta sexta-feira sirvam como um lembrete de que o Brasil precisa seguir construindo uma cultura de respeito mútuo, diálogo e responsabilidade. A democracia se fortalece quando todos compreendem que o respeito às instituições e às leis é o caminho para uma sociedade mais justa e equilibrada. Que possamos aprender com esses momentos difíceis, buscando sempre o entendimento e a união em torno de valores que promovam o bem comum.

Este é um momento de reflexão para todos nós, cidadãos, líderes e instituições. Que possamos avançar com serenidade e esperança de um futuro mais justo e democrático para o Brasil.