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Editorial

Bets e o adiamento da graduação

10 de Julho de 2025 às 21:30
Cruzeiro do Sul [email protected]
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O fascínio pelas bets nasce da velha sedução do dinheiro rápido, um desejo intensificado por um cenário econômico desigual, onde grande parte da população enfrenta dificuldades para garantir o básico. Em um país onde o salário mínimo não cobre a cesta básica em várias capitais, prometer ganhos instantâneos com um clique é como oferecer água no deserto.

Não por acaso, o crescimento das bets acompanha o aumento da informalidade no trabalho, o desemprego e a precarização de condições de vida. Para muitos jovens, especialmente nas periferias, apostar em jogos de futebol se tornou uma alternativa ilusória à mobilidade social. Um bilhete premiado pode parecer mais acessível que anos de estudo e esforço num sistema que frequentemente marginaliza os mais pobres.

A pesquisa O Impacto das Bets 2 comprova essa situação: Os gastos com as apostas on-line esportivas estão interferindo no início da graduação em uma faculdade particular de 33,8% dos apostadores entrevistados. O estudo foi divulgado nesta semana pela Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes), em parceria com o instituto de pesquisas Educa Insights.

O levantamento, feito em abril passado, mostra que 34,4% dos apostadores entrevistados precisarão interromper seus gastos em apostas esportivas se quiserem acessar em um curso de nível superior no início de 2026. O resultado reforça uma tendência de agravamento preocupante dos números, se comparados aos da primeira edição do estudo, publicada em setembro de 2024.

Para o diretor-geral da Abmes, Paulo Chanan, “isso indica que o fenômeno está se aprofundando e afetando, principalmente, os jovens das classes C e D. Trata-se de uma realidade relativamente nova no Brasil, que ainda carece de amadurecimento por parte da sociedade e de uma regulação mais eficaz por parte do poder público”.

Ao todo, para esta segunda edição da pesquisa, foram realizadas 11.762 entrevistas entre 20 e 24 de março, para chegar em um volume de 2.317 respostas do questionário completo. Os jovens entrevistados estão na faixa etária entre 18 e 35 anos e são das cinco regiões do País e de todas as classes sociais.

O perfil do apostador se repete, se comparado ao da primeira edição da pesquisa da Educa Insights, de setembro de 2024: 85% são homens; 85% trabalham; 72% têm filhos; 38% são da classe B; e 37%, da classe C; 79% têm como fonte de renda o salário do trabalho; 40% têm entre 26 e 30 anos; 30%, de 31 a 35 anos.

A pesquisa revela que, entre os apostadores entrevistados que já estão no ensino superior, 14% deles atrasaram a mensalidade ou trancaram o curso devido aos gastos em casas de apostas.

Entre os que ingressaram na graduação em instituições de ensino superior privadas, 35% dizem que precisarão interromper gastos com apostas on-line.

Com base no Censo da Educação Superior 2023, a entidade que representa a educação superior particular no Brasil calcula que 986.779 estudantes podem ter impacto direto na graduação, em 2026, como consequência das apostas virtuais.

“No longo prazo, o dado mais preocupante é a projeção para 2026: quase 1 milhão de potenciais ingressantes na educação superior privada podem não efetivar a matrícula devido ao comprometimento financeiro com apostas e jogos online”, estima Paulo Chanan.

O estudo mostra, ainda, que as apostas fazem parte da rotina de metade das pessoas que responderam à pesquisa. Entre eles, a frequência é considerada alta: 1 a 3 vezes por semana.

Em setembro de 2024, 30,8% dos entrevistados responderam ter gasto mais de R$ 350 nas bets. Na edição deste ano, este percentual cresceu para 45,3%.

Perguntados sobre a recuperação de uma parte ou do valor total já destinado às apostas esportivas, 30,3% dos apostadores, em 2024, não conseguiram reaver os recursos. Enquanto que, em abril de 2024, este índice caiu para 22,9%.

A Abmes acredita que a solução para o problema precisa ser multissetorial. O enfrentamento ao impacto das bets deve se dar com responsabilidade e dados, promovendo discussões em fóruns educacionais e políticos. Outra solução apontada pela instituição é a realização de campanhas educativas voltadas à conscientização sobre os riscos do uso excessivo de plataformas de apostas, em diversos setores sociais, inclusive em instituições particulares de ensino.