Editorial
A punição a Léo Lins

Uma das polêmicas da semana é a condenação do humorista Léo Lins a oito anos e três meses de prisão, em regime inicialmente fechado, sob acusação de ter feito “discursos preconceituosos contra diversos grupos minoritários” em uma apresentação divulgada no YouTube. Ele terá também que pagar multa equivalente a 1.170 salários mínimos, em valores da época da gravação, e indenização de R$ 303,6 mil por danos morais coletivos.
A pena imposta pela Justiça Federal acabou por reacender o debate sobre os limites da liberdade de expressão no Brasil previstos no artigo 5º da Constituição Federal, no seu inciso IV, que garante a liberdade de manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. Isso significa que todos têm o direito de expressar livremente suas ideias, opiniões e crenças, sem que sejam censurados ou restritos por lei. No entanto, essa liberdade não é ilimitada e não pode ser utilizada para a prática de crimes ou atos ilícitos, como incitar a violência ou difamar terceiros.
A defesa de Léo Lins criticou a sentença e informou que vai recorrer. “Trata-se de um triste capítulo para a liberdade de expressão no Brasil, diante de uma condenação equiparada à censura”, disseram os advogados Carlos Eduardo Ramos e Lucas Giuberti.
É sabido que o humor ao qual Léo Lins se dedica não agrada a todos. Mas há quem pague para ouvir a sua acidez, muitas das vezes de gosto duvidoso e que provoca risos constrangedores até mesmo em sua plateia. O humorista já teve outras punições em razão de suas “piadas” provocativas. Ele já vez milhares de apresentações de stand-up ao longo de sua carreira, sendo algumas delas no Reino Unido, Portugal, Japão e Alemanha. A primeira vez que teve oportunidade de fazer shows no Japão, teve o visto cancelado após um protesto em virtude de piadas feitas sobre o terremoto e o tsunami que atingiram aquele país. Posteriormente, por um protesto ainda maior, recebeu o visto de volta e fez as mesmas piadas lá ao vivo.
Em outubro de 2021, o humorista foi condenado a pagar R$ 5 mil por danos morais à uma dançarina, em um processo judicial que ela moveu contra ele por gordofobia. No dia 4 de julho de 2022, o SBT demitiu Léo Lins, encerrando sua atividade no The Noite [programa do também humorista Danilo Gentili], depois que viralizou o vídeo de uma piada de Léo envolvendo o Teleton e uma criança com hidrocefalia, em um antigo show de stand-up, publicado nas suas redes sociais alguns dias antes.
Fora essas, foram muitas piadas que renderam mais indignação do que risada. No dia 17 de maio de 2023, o YouTube retirou o stand-up “Perturbador” do ar por ordem judicial, a pedido do Ministério Público de São Paulo. À época, Léo foi impedido judicialmente de sair da cidade de São Paulo por mais de dez dias. O show continha piadas de humor duvidoso, incluindo sobre pessoas com deficiência, idosas, negros, obesos, portadores de HIV, homossexuais, indígenas, nordestinos, evangélicos, judeus. A apresentação foi publicada no YouTube e atingiu três milhões de visualizações antes de ser removida por decisão judicial em 2023. Foi esse conteúdo que deu origem ao processo que levou a sua condenação.
Resumindo, o humor de Léo Lins não é necessariamente para entreter. É para provocar. E ele tem plateia para isso. Há milhares de pessoas que abominam esse tipo de humor e que jamais pagariam para ouvir o que Léo Lins tem para falar. Portanto, num país livre como o Brasil, vai ao show quem quiser.
Por isso, a decisão de sua prisão, embora ainda aja a oportunidade do recurso, reacendeu a questão da censura. Muito humoristas e outros profissionais que precisam usar a fala para exercer seus respectivos ofícios manifestaram preocupação pela dura punição a quem proferiu a sua opinião em forma de piada, mesmo que seja de gosto duvidoso.
A sentença da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo destaca que conteúdos como a apresentação do réu “estimulam a propagação de violência verbal na sociedade e fomentam a intolerância”. Segundo a decisão, atividades artísticas de humor não constituem “passe-livre” para crimes, assim como “a liberdade de expressão não é pretexto para o proferimento de comentários odiosos, preconceituosos e discriminatórios”.
A Justiça até tem as suas razões. A grande questão que gerou o debate é o tamanho da punição em um país em que pessoas que praticam homicídio, tráfico de drogas e fazem apologia a crimes e a criminosos são vistos como “heróis” e deixam as delegacias pela porta da frente.
Sobre o episódio, o senador Sergio Moro (União-PR) se manifestou assim: “Condenar um humorista à prisão por piadas, mesmo que ruins, ofensivas ou preconceituosas, reflete o exagero dos tempos atuais e o desprezo pela liberdade de expressão. Aguarde-se o recurso”.