Editorial
Testemunhas de agressores de mulheres

A violência contra a mulher é uma questão social alarmante e persistente, que transcende barreiras culturais, sociais e econômicas. Um dos aspectos mais preocupantes desse problema é que a maioria dos casos ocorre no ambiente familiar.
Estudos e estatísticas confirmam que a violência doméstica representa a principal forma de agressão contra as mulheres. O agressor, na maior parte dos casos, é o companheiro, ex-companheiro, pai, irmão ou outro membro próximo da família. Isso cria um ambiente de vulnerabilidade para as vítimas, pois a violência ocorre onde elas deveriam encontrar proteção e segurança. O medo de represálias, a dependência financeira e emocional, além da normalização da agressão em alguns contextos culturais, contribuem para que muitas mulheres permaneçam em relacionamentos abusivos e silenciem suas dores.
Levantamento realizado pelo Instituto Datafolha, a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que nove em cada dez agressões cometidas contra mulheres nos últimos 12 meses, o equivalente a 91,8%, foram testemunhadas por outras pessoas. A maioria (86,7%) pertencente ao círculo social ou à família da vítima.
Apesar disso, quase metade das vítimas (47,4%) decidiu não denunciar o caso nem procurar ajuda de instituições ou de pessoas próximas. Os dados constam da 5ª edição do relatório Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil, divulgada na segunda-feira (10).
Em relação ao perfil de quem estava presente no momento das agressões, os pesquisadores constataram que 47,3% eram amigos ou conhecidos das vítimas, 27% eram filhos e 12,4% tinham outro grau de parentesco.
O principal autor das violências contra mulheres foi o cônjuge/companheiro/namorado/marido (40%) e ex-cônjuge/ex-companheiro/ex-namorado (26,8%), o que já foi constatado em pesquisas anteriores do fórum. Pais e mães das vítimas foram os autores de 5,2% dos crimes, padrastos e madrastas de 4,1% deles e filhos e filhas, de 3% das ocorrências.
Outro aspecto frequente, também notado na pesquisa, diz respeito à preponderância da casa da vítima como local em que a violência é cometida (57%). Em maior número, estão as ofensas verbais (31,4%), que abrangem insultos, humilhações e xingamentos. Tal porcentagem cresceu 8 pontos percentuais em relação a dados coletados em 2023.
A quantidade de mulheres atacadas com golpes, tapas, empurrões e chutes apresentou aumento expressivo, atingindo 16,9%, o maior patamar já registrado desde a primeira edição do relatório. Em números absolutos, significa que pelo menos 8,9 milhões de brasileiras sofreram agressão física no último ano.
De acordo com o relatório, 37,5% das mulheres sofreram algum tipo de violência nos últimos 12 meses, o que representa 21,4 milhões de brasileiras de 16 anos ou mais e é a “maior prevalência já identificada, desde 2017”.
Assistir aos episódios de violência, conforme ressaltam os especialistas, é algo que pode ter efeitos duradouros na vida de alguém e que pode originar “distúrbios emocionais, cognitivos e comportamentais, além de contribuir para uma percepção da família como um ambiente inseguro e caótico. As evidências científicas também sugerem que crianças que testemunham violência doméstica têm maior probabilidade de serem afetadas pela violência na vida adulta, seja como vítimas ou como agressoras”, aponta o relatório. O levantamento cita ainda que estudos demonstram que testemunhar esse tipo de situação entre os pais pode ser pior do que ser a própria vítima.
Diante desse cenário, é essencial que políticas públicas eficazes sejam implementadas para combater a violência contra a mulher dentro do ambiente familiar. O fortalecimento de redes de apoio, a garantia de proteção às vítimas e o incentivo à denúncia são medidas fundamentais para enfrentar esse problema. Além disso, é necessário um trabalho contínuo de conscientização e educação, para que a sociedade compreenda a gravidade da violência de gênero e contribua para sua erradicação. A luta contra a violência doméstica não deve ser vista apenas como uma responsabilidade do Estado, mas, também, como um compromisso de toda a sociedade.