Editorial
O povo precisa saber a quem xingar

Havia um certo país fictício, onde o governante criou os departamentos de elogios e os de crítica. Para o primeiro, ele decidiu que iria cuidar pessoalmente. Para o segundo, disse que todos os demais súditos — e o povo também — seriam designados para receber as críticas. Ou seja, se algo vai bem, o mérito é todo do governante, mas se algo vai mal, todo mundo é culpado e ele não deve ser responsabilizado. E, assim se passam os dias.
Como a vida imita a arte, focamos no que vem acontecendo no Brasil.
Ontem (17), o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, disse que a população é “assaltada” pelos intermediários na cadeia de distribuição de combustíveis. Ele defendeu que a Petrobras venda diesel, gasolina e gás diretamente a grandes consumidores. “O povo não sabe que a gasolina sai da Petrobras a R$ 3,04, e que na bomba ela é vendida a R$ 6,49. Ou seja, é vendida pelo dobro do que ela sai da Petrobras. Mas quando sai o aumento, o povo pensa que foi a Petrobras que aumentou. E nem sempre é a Petrobras, porque cada Estado e cada posto tem liberdade de aumentar na hora que quer. E os impostos pagos são ICMS para os Estados, como ICMS que teve agora”, afirmou o petista.
E continuou o mandatário: “O óleo diesel sai da Petrobras a R$ 3,77, e o cara vai encher o tanque e paga R$ 6,20. O mais grave é o preço do gás. O povo não sabe que o botijão de 13kg de gás sai da Petrobras a R$ 35. Povo é no fundo, no fundo, assaltado pelo intermediário. E a fama fica nas costas do governo”, disse Lula.
“O povo paga o triplo do preço que ele sai da Petrobras. É importante informar a população disso. Para o povo saber quem xingar na hora que aumenta, para o povo saber quem é que é o filho da mãe disso”, declarou Lula.
Ora, a Petrobras é uma sociedade anônima de capital aberto que atua de forma integrada e especializada na indústria de óleo, gás natural e energia. Portanto, é uma empresa criada para dar lucro aos seus acionistas, o maior deles a própria União Federal, que detinha, em 29 de fevereiro de 2024, diretamente, 50,26% das ações ordinárias da Petrobras e 28,67% do capital social total. A União Federal detinha, ainda à época, participação indireta de 18,48% das ações preferenciais e 7,94% do capital social total, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e BNDES Participações S.A.
Portanto, quem manda na Petrobras é a União Federal, popularmente chamada de governo federal, que tem Lula como chefe. É ele, o presidente da República, no caso Lula, quem define o presidente da Petrobras. Lembra: o governo federal é o principal acionista da empresa e o nome do presidente escolhido por ele deve ser aprovado pela assembleia dos acionistas ordinários — os que têm direito a voto — e, como o governo é maioria, a sua indicação é sempre vencedora. Como foi Lula quem escolheu, o presidente da Petrobras é afinado ao governo.
E como ficam os preços dos combustíveis: a Petrobras define tudo com base em fatores internos e externos. Os preços dos combustíveis ao consumidor final variam como consequência dos preços nas refinarias, dos tributos estaduais e federais incidentes ao longo da cadeia de comercialização (PIS/Pasep e Cofins, Cide e ICMS), dos custos e despesas operacionais de cada empresa, dos biocombustíveis adicionados ao diesel e à gasolina e das margens de distribuição e de revenda. Ou seja, todos os preços — inclusive e, principalmente, os dos impostos, passam pelo crivo da Petrobras e do governo. Não dá para separar a consequência da gestão do resultado nos preços.
O esforço de Lula em achar, agora, o culpado para o preço da gasolina é em razão do novo aumento, de 3,02% no preço médio da gasolina vendida em postos de abastecimento do País, anunciado na semana passada.
Ou seja, não tem como o governo fugir de suas responsabilidades quanto ao preço dos combustíveis, assim como com o preço da comida e tudo o mais que o cidadão precisa para (sobre)viver. Dias atrás, Lula falou que o consumidor é que tinha de fazer alguma coisa para que o preço da comida baixasse. No caso, deixar de consumir. E para o preço do combustível, o conselho é “saber a quem xingar”.
Tem de xingar quem não consegue controlar a inflação e pior, a cada fala faz a coisa ficar ainda pior. Tem de responsabilizar quem prometeu dias bons — com picanha — e está entregando produtos caros. Um real corte de gastos — principalmente os pessoais e desnecessários — já, com certeza, traria reflexo positivo na economia. Mas não é o que se vê. Resta saber quem será o culpado de amanhã.