Editorial
Cadê o corte de gastos?
Em pleno domingo — pós-feriado de Finados — todos os holofotes do mercado financeiro nacional estão focados nos passos da equipe econômica do governo federal. E há vários motivos para esse cuidado todo. Há sim desconfianças e bastante insegurança.
Se não fosse assim, o mercado doméstico não estava em turbulência. Na sexta-feira (1º), no fechamento do dia, o dólar aproximou-se de R$ 5,90, o maior nível desde o início da pandemia de Covid-19. No mesmo dia, a bolsa de valores caiu pela quarta vez consecutiva e ficou abaixo de 130 mil pontos.
O dólar comercial encerrou a sexta-feira vendido a R$ 5,87, com alta de R$ 0,106 (+1,53%). A cotação iniciou aparentemente favorável, em R$ 5,76, mas disparou após a abertura do mercado norte-americano, até fechar próximo da máxima do dia. A moeda norte-americana avançou ao maior nível desde 13 de maio de 2020, quando tinha fechado em R$ 5,90. Com o desempenho de sexta-feira, o dólar acumula alta de 6,13% desde o fim de setembro. Em 2024, a divisa já subiu 20,95%.
A sexta-feira também foi turbulenta no mercado de ações. O índice Ibovespa, da B3, fechou aos 128.121 pontos, com recuo de 1,23%. O indicador foi o menor patamar desde 7 de agosto.
Tanto fatores domésticos como internacionais contribuíram para o mal-estar do mercado. No cenário doméstico, o dólar e a bolsa foram pressionados pela viagem do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, à Europa na próxima semana, o que adiará o pacote de revisão de gastos obrigatórios. Os investidores consideram urgente o envio das medidas ao Congresso.
A assessoria do Ministério da Fazenda não foi muito clara para responder que Haddad vai fazer na Europa e o que é mais importante do que resolver de uma vez por todas o corte de gastos do governo Lula. O Ministério afirmou, apenas, que alguns compromissos ainda estão sendo fechados e em breve a agenda será divulgada. Sabe-se que Haddad passará por Paris, Londres, Berlim e Bruxelas. Investidores não gostaram muito dessa ideia do ministro da Fazenda ir à Europa e reagiu negativamente, fazendo o dólar disparar e a bolsa cair. Até parece filme repetido da sessão da tarde.
Enquanto isso, nos Estados Unidos que vivem as expectativas das eleições que colocam de um lado Donald Trump e de outro Kamala Harris, a sexta-feira foi bem calma em relação ao que aconteceu no Brasil. O dia começou com alívio, após a divulgação de que a economia norte-americana criou apenas 12 mil empregos no mês passado, abaixo da previsão de 100 mil postos. Em tese, isso estimularia uma redução maior de juros nos Estados Unidos, mas a queda nas vagas deveu-se a greves nos portos e a dois furacões que atingiram o país em outubro, sem relação com o aquecimento econômico norte-americano.
O desempenho do mercado de trabalho norte-americano manteve as chances de o Federal Reserve (Fed, Banco Central norte-americano) cortar os juros em apenas 0,25 ponto na próxima semana. É certo que as tensões eleitorais nos Estados Unidos pressionam o mercado financeiro em todo o planeta. Além do real, o dólar subiu perante os pesos chileno, mexicano e colombiano. No caso do México, a moeda norte-americana atingiu o maior valor desde 2022. Mas o que interessa de momento é o que acontece no Brasil.
Certo é que todos — sem exagero — todos esperam o tal corte de gastos. O governo federal havia prometido anunciar um novo pacote de corte de gastos logo após o 2º turno das eleições municipais. Hoje já faz uma semana e nada dos cortes. Consta que os ministérios da Fazenda e do Planejamento já apresentaram as propostas de revisão de políticas públicas para decisão de Lula. Vai ver que o presidente nada decidiu e mandou Haddad passear na Europa para ganhar tempo. Mas qual o motivo disso, afinal, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, falou, dias atrás, que “o País precisa levar a sério a revisão dos gastos públicos”. Enquanto isso, os brasileiros vivem das expectativas que precisam vir do governo vendo o real perder valor perante o dólar.