Editorial
O barulho da ‘emenda Pix’
Neste momento, no Brasil, há uma tensão envolvendo os três poderes constituídos: Executivo, Legislativo e Judiciário. De acordo com a Constituição brasileira, as funções do Estado são exercidas por esses três poderes distintos e independentes e que devem funcionar em harmonia, de maneira a se complementarem e se limitarem em suas ações. Dessa forma, um poder controla o outro. O problema é que nem sempre é assim. Na verdade, nunca é assim. A queda de braço é constante e, vira e mexe, um poder sempre acaba interferindo na atribuição do outro.
A divergência da vez envolve a chamada “emenda Pix”, uma modalidade das emendas parlamentares individuais que permite o envio direto dos recursos a prefeituras e estados. Durante a elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA), parlamentares reservam as emendas e não são obrigados a especificar o destino ou no que os recursos serão usados.
No dia 1º de agosto, o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, determinou que as transferências sejam fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Controladoria-Geral da União (CGU), medidas que limitam a execução das “emendas Pix”. Na quinta-feira (8), antes dos agravos regimentais, o ministro confirmou a decisão, mas permitiu a execução de “emendas Pix” para obras em andamento. As liminares de Flávio Dino devem ser levadas neste mês ao Plenário Virtual do Supremo. As decisões de Dino se referem a duas ações submetidas ao Supremo — Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.688, proposta pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji); e a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 854, impetrada pelo PSol.
Na mesma quinta-feira, as Advocacias do Senado e da Câmara dos Deputados entraram com agravos regimentais contra decisões do ministro Flávio Dino. Os documentos pedem a revogação de duas liminares assinadas pelo magistrado. Para as Advocacias do Senado e da Câmara, as liminares “partem de premissas equivocadas”.
As decisões de Dino não repercutiram bem no Congresso Nacional. O presidente da Comissão Mista de Orçamento, deputado Júlio Arcoverde (PP-PI), decidiu adiar a leitura do relatório preliminar do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que deveria ter sido votada até 17 de julho. O relator da matéria (PLN 3/2024) é o senador Confúcio Moura (MDB-RO).
O Congresso garante que atraso na votação da LDO de 2024 não traz consequências para as contas públicas e sua votação só deve acontecer após a aprovação do novo Marco Fiscal, que prevê uma receita extra de R$ 172 bilhões. A proposta legislativa deverá ser aprovada até 31 de agosto, data limite para a equipe econômica enviar o Orçamento Geral da União de 2024.
A queda de braço em torno da “emenda Pix” e que envolve os três poderes guarda muitos interesses: O Executivo busca cortar despesas para atingir a meta fiscal, mas não quer controlar os próprios gastos. Então, também foca nas emendas parlamentares, aproveitando o fato dessa modalidade não oferecer transparência. O Legislativo quer manter “as emendas Pix”, pois traz imensos dividendos aos parlamentares nos seus respectivos estados e municípios. O Judiciário, por sua vez, tem entrado em questões que cabem ao Executivo e ao Legislativo resolver.
Sobre a “emenda Pix” há uma informação importante a ser passada à opinião pública. Estudo da Transparência Brasil — entidade sem fins lucrativos que realiza atividades de monitoramento do poder público — analisou cada uma das 941 emendas Pix apresentadas pelos parlamentares na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024, que somam R$ 8,2 bilhões — montante recorde, que se soma aos R$ 13 bilhões já consumidos entre 2020 e 2023. A Transparência Brasil verificou o nível de rastreabilidade dessas emendas em sua origem, ou seja, nos textos apresentados por deputados federais e senadores para aprovação pelo Congresso Nacional e incorporação na LOA. Constatou-se que dos 537 parlamentares que utilizaram as transferências especiais em 2024 (467 deputados e 70 senadores), 78% apresentaram ao menos uma de suas emendas sem nenhum detalhamento sobre o destinatário (Estado ou Município) ou a finalidade dos recursos. Com isso, o destino de R$ 5,9 bilhões em “emendas Pix” é completamente sem transparência.
Para apenas 0,9% dos recursos das “emendas Pix” de 2024 existe a identificação tanto do beneficiário quanto da ação pretendida com a emenda (como, por exemplo, a identificação de uma obra a ser realizada). Esse cenário reforça a ausência de planejamento prévio das políticas públicas associadas a cada emenda no ato de sua apresentação — e, caso existam, não são informadas. “Assim, a LOA se tornou mero instrumento de formalização do quinhão de cada parlamentar no orçamento, com recursos distribuídos posteriormente sem que os critérios e as motivações sejam apresentados”, enfatiza a Transparência Brasil.