Editorial
Com quantos "reais" se faz um dólar
Havia um certo reino muito distante da realidade contemporânea e nem um pouco encantado, onde o mandatário do lugar exercia uma regra criada por ele mesmo: “tudo o que dá certo é mérito meu (dele, o mandatário) e tudo o que dá errado é culpa de todo mundo, porém mais de alguns do que de outros”. Assim, ficava fácil “governar” e “indicar” eventuais responsáveis por algo que não caminhava bem. Infelizmente, esse conto — de autoria desconhecida — nos remete a “coisas” que acontecem na “história desse País”.
Um exemplo é o que vem acontecendo com a política monetária do Brasil, com a alta do dólar americano em face do real, a mesma moeda que está completando 30 anos de bons serviços prestados à economia nacional e que tirou do País os efeitos nefastos. O Plano Real foi o grande acerto que salvou o Brasil do caos generalizado.
Falemos do dólar. Na terça-feira (2), o dólar comercial já acumulava, em 2024, uma alta de 17,07% ante o real, segundo a consultoria Elos Ayta. Em trecho de artigo de Ana Paula Ribeiro, com colaboração de João Sorima Neto, publicado no site do Senado Federal, vem a informação de que “treze anos separam o dólar a R$ 4. Em outubro de 2002, quando a moeda americana fechou a R$ 3,999 _ cotação que, até esta semana, era a maior já registrada _ o País também vivia uma crise econômica e política. Desde então, o Brasil obteve e perdeu o status de porto seguro para investimentos. A inflação, que chegou a dois dígitos em 2002, caiu a pouco mais de 3% anuais em 2006 e, agora, deve fechar o ano perto de 10%”.
A cotação da moeda americana no Brasil costuma ser volátil e ter trajetória imprevisível e não tem imunidade a falas inconsequentes. Ela é afetada por fatores externos e internos, pela oferta e pela demanda, por expectativas e pelos mercados presente e futuro. E é aí que entra, também, os efeitos de algumas ditas no calor das bravatas.
A cotação do dólar comercial subiu para R$ 5,70 na máxima na terça-feira (2). Naquele dia, às 14h, tinha alta de 0,75%, a R$ 5,70. A moeda norte-americana registrava alta pelo terceiro dia consecutivo em meio às falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o mercado de câmbio.
Em entrevista à Rádio Sociedade, em Salvador, na Bahia, Lula afirmou que a subida do dólar é um “ataque especulativo” e que há um “jogo de interesse especulativo contra o real nesse País”. Lula disse que tem conversado com as pessoas sobre o que o governo “vai fazer” e declarou que está preocupado com a situação.
Disse Lula: “Nós temos que fazer alguma coisa. Eu não posso falar aqui o que é possível fazer, porque, se não, eu estaria alertando os meus adversários”...“não é normal o que está acontecendo”. Lula voltou a criticar o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e disse que não dá para dirigir a autoridade monetária com “viés político”. Essas falas que indicam “culpados” em razão de um ato — ou a falta dele — do governo repercutem bem no mercado e o dólar sobe.
No dia anterior — segunda-feira (1º) —, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a alta recente do dólar deve-se a “muitos ruídos”. Ele reconheceu que a moeda norte-americana subiu mais em relação ao real do que na comparação com moedas de países emergentes e defendeu a melhoria da comunicação do governo para informar resultados econômicos. Disse Haddad: “Atribuo [a alta do dólar] a muitos ruídos. Eu já falei isso no Conselhão [reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável...] precisa comunicar melhor os resultados econômicos que o País está atingindo”. Nessa hora, o ministro indica uma falha governamental.
A verdade é que a disparada do dólar, nas últimas semanas, reforçou a posição da ala no governo que defende um corte de gastos públicos para acalmar o mercado. Economistas de bancos e consultorias falam em um corte de pelo menos R$ 15 bilhões como pré-requisito para o governo reconquistar a confiança do mercado no cumprimento da meta de déficit zero com tolerância de 0,25 ponto percentual do PIB, em 2024. Se o governo fizer a sua parte, o dólar cai e o mérito fica com o “dono” do jogo. Lula e sua equipe econômica se reuniram nesta quarta-feira para, pelo menos, afinar o discurso.