Editorial
Uma decisão que terá consequências
No mesmo dia em que a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou que o consumo de álcool é responsável por 2,6 milhões de mortes todos os anos no mundo, ou seja 4,7% de todas as mortes no planeta. Já o uso de drogas psicoativas responde por 600 mil mortes anualmente. Por drogas psicoativas, entende-se as drogas ilegais (maconha, cocaína e crack) e solventes, sendo observada maior prevalência entre o gênero masculino, enquanto em mulheres prevalece o uso de medicamentos controlados (ansiolíticos e anfetaminas).
No documento da OMS, que recebeu o nome de Dados do Relatório Global sobre Álcool, Saúde e Tratamento de Transtornos por Uso de Substâncias, mostra ainda que 2 milhões de mortes por consumo de álcool e 400 mil mortes por uso de drogas são registradas entre homens. O estudo tem como base informações de saúde pública referentes ao ano de 2019.
A estimativa da Organização Mundial da Saúde é de que milhares de pessoas vivam com desordens relacionadas ao consumo de álcool e ao uso de drogas nesse período. A entidade destaca que o uso de substâncias prejudica severamente a saúde do indivíduo, aumentando o risco de doenças crônicas e resultando em milhões de mortes preveníveis.
Mas, para a maioria do STF, o porte de maconha não é crime no País, se for para consumo próprio.
Isso não quer dizer que a maconha foi liberada no País, nem que haverá comércio legalizado da planta ou das flores prontas para consumo.
A Lei de Drogas, aprovada em 2006, não pune o porte da substância com pena de prisão. Com isso, os ministros declararam que esse não é um delito criminal, mas um ilícito administrativo. Assim, quem for pego com maconha para uso pessoal não passaria a ter antecedentes criminais.
Direto de Portugal, onde está para o evento jurídico apelidado de “Gilmarpalooza”, o ministro Gilmar Mendes — um dos votos favoráveis — disse ontem (26) que a Corte não ultrapassou suas competências ao descriminalizar o porte de maconha para o uso pessoal. Para ele, não há invasão de competência porque de fato o que “nós estamos examinando é a constitucionalidade da lei, especialmente do artigo 28 da Lei de Drogas em face da Constituição. Não permitir que as pessoas tenham antecedentes criminais por serem viciadas. Isso já ocorreu em várias cortes do mundo e agora está ocorrendo no Brasil”, justificou o magistrado.
Ontem, ainda, o STF tomou outra decisão sobre o tema, ao definir que pessoas flagradas com até 40 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas de cannabis devem ser tratadas como usuárias e não traficantes.
Já para o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, ao comentar sobre a relação do álcool, drogas e mortes, disse que o uso “coloca um fardo pesado sobre as famílias e as comunidades, aumentando a exposição a acidentes, lesões e violência” e que para “construir uma sociedade mais saudável e mais equitativa, devemos comprometer-nos urgentemente com ações ousadas do que reduzir as consequências negativas para a saúde e sociais do consumo de álcool e tornar o tratamento para transtornos por uso de substâncias acessível.”
O relatório da OMS ainda destaca a necessidade urgente de acelerar ações em nível global para alcançar a redução do consumo de álcool e drogas e ampliar o acesso a tratamento de qualidade para transtornos causados pelo uso de substâncias. No Vaticano, o Papa Francisco disse que a “redução da dependência de drogas não pode ser alcançada através da liberação do seu consumo, isto é uma ilusão“, declarou ao criticar movimentos globais pela legalização do uso pessoal da maconha, sem distinguir entre drogas leves e pesadas.
A boa notícia é que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, já indicaram uma reação à decisão do STF por parte do Parlamento.