Editorial
É importante ouvir a mulher que denuncia
Os casos de violência doméstica contra mulheres e o feminícido — assassinato de mulher ou jovem do sexo feminino motivado por violência doméstica, ou por menosprezo ou discriminação à condição de mulher — não podem ser tratados sem a devida atenção das autoridades constituídas para isso.
É chocante ouvir que uma mulher apanhou ou foi morta porque não quis mais manter um namoro ou casamento tóxico.
Aline Aparecida de Moura Queiroga, de 34 anos, é a mais recente vítima de um homem covarde. Ela foi morta a tiros na terça-feira (11), enquanto trabalhava em uma casa de tintas no bairro Wanel Ville, em Sorocaba, pelo ex-namorado. Nem mesmo as medidas protetivas livraram Aline de seu algoz, um indivíduo cruel, de maus instintos, atormentador, assassino, que se chama Paulo Rodrigo Juvêncio.
Um dia após Aline perder a vida, o plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, aprovou a criação do Cadastro Nacional de Pessoas Condenadas por Violência contra a Mulher. A matéria segue agora para deliberação do Senado.
O projeto de lei prevê a criação de uma lista pública com o nome dos condenados por violência doméstica com sentença transitada em julgado, ou seja, sem mais chances de recursos. A proposta promete ser uma orientação para as mulheres que sofreram agressões, para que não vejam as mesmas pessoas cometerem contra outras mulheres a mesma criminalidade, a mesma crueldade que aconteceu na sua vida.
O cadastro deve conter os condenados pelos seguintes crimes: feminicídio; estupro; estupro de vulnerável; violação sexual mediante fraude; importunação sexual; registro não autorizado de intimidação sexual; lesão corporal praticada contra a mulher; perseguição contra a mulher; e violência psicológica contra a mulher. Os dados do cadastro devem incluir o nome completo e os documentos de identidade (RG e CPF) do condenado, além da filiação da pessoa, identificação biométrica e fotografia de frente. Impressão digital e endereço residencial também estão previstos no texto.
Caberá ao governo federal gerir o cadastro, compartilhando informações dos estados, Distrito Federal e municípios. Além disso, deve haver atualização periódica e o nome da pessoa condenada deve ficar disponível até o término do cumprimento da pena ou pelo prazo de três anos, se a pena for inferior a esse período.
Muito bem. Trata-se de uma excelente iniciativa. Mas as mulheres vítimas de violência, como Aline Aparecida de Moura Queiroga, precisam ser ouvidas pelas autoridades com toda a educação e bom-senso possíveis. E isso não é nenhum favor, mas uma obrigação.
Há relatos de que Aline procurou orientação no lugar certo, a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Sorocaba. Inclusive, a mulher tinha a seu favor duas medidas protetivas.
Mas isso não foi o suficiente para garantir a sua integridade. O histórico de violência sobre Paulo Juvêncio o define como um homem perigoso. Ele teria começado a perseguir Aline por discordar do fim do relacionamento que manteve com Aline durante cerca de um ano. Paulo Juvêncio tinha consciência de que a DDM sabia que ele era um homem com passagens pela polícia.
Convém destacar que vigora no Brasil a Lei Maria da Penha (Lei 11.340) que estabelece que todo o caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime e deve ser apurado através de inquérito policial e ser remetido ao Ministério Público. A lei também tipifica as situações de violência doméstica, proíbe a aplicação de penas pecuniárias aos agressores, amplia a pena de um para até três anos de prisão e determina o encaminhamento das mulheres em situação de violência, assim como de seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de assistência social. A Lei Maria da Penha homenageia uma mulher cujo marido tentou matá-la duas vezes.
Se faz necessário é dar crédito à mulher na hora da denúncia. Aline Aparecida de Moura Queiroga poderia estar viva.