Editorial
Oportunidade para ganhar dinheiro com angústia alheia
Infelizmente, tragédias com grandes dimensões como a ocorrida no Rio Grande do Sul em maio passado ou, às vezes, a necessidade de uma obra emergencial em razão do rompimento de uma adutora, por exemplo, trazem uma oportunidade para alguém ganhar dinheiro extra com angústia alheia.
Vamos às explicações: a obrigatoriedade de se fazer licitação pública para a compra de bens e/ou contratação de serviços é regra básica para a administração pública em qualquer nível, seja federal, estadual ou municipal. Com isso, em via de regra, “todas” as contratações devem ser submetidas a processos transparentes de licitação, que garantam que qualquer empresa ou prestador de serviços qualificados para atender a demanda participem da licitação em total igualdade.
É de conhecimento comum que um processo licitatório pode se alongar por um tempo além do previsto e demorar muito e até mesmo comprometer determinados serviços públicos. Mas é a regra do jogo. Porém, há casos em que determinadas demandas são consideradas emergenciais, dispensando, assim, a burocracia necessária à licitação, para eventuais contratações de forma direta. Isto está previsto em lei.
Há, também, outra modalidade de aquisição usada pelo governo: o leilão. Essa, inclusive, foi a forma escolhida, por parte da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a compra de 263,3 mil toneladas de arroz importado. Resultado: quatro empresas foram declaradas “vencedoras”. Na lista de ganhadoras dos contratos, há um estabelecimento que vende queijos em Macapá (AP), uma fabricante de sucos de São Paulo e uma locadora de veículos localizada em Brasília. Ou seja, nenhuma ligada ao comércio de arroz.
Assim, o governo foi obrigado a anular o leilão porque avaliou que, do conjunto das empresas vencedoras do leilão, uma maioria tem “fragilidades”, ou seja, “não tem capacidade financeira de operar um volume financeiro desse tamanho”. As mais de 260 mil toneladas de arroz arrematadas correspondem a 87% das 300 mil toneladas autorizadas pelo governo nesta primeira operação. No total, mais de R$ 7 bilhões foram liberados para a compra de até 1 milhão de toneladas.
Todo esse constrangimento de agora não teria acontecido se o governo tivesse ouvido o coro dos contrários a essa compra e aceitar que a safra de arroz do Rio Grande do Sul é suficiente para a demanda do País. Segundo dados do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), a safra 2023/2024 de arroz gaúcho deve ficar em torno de 7,1 milhões de toneladas, mesmo com as perdas pelas inundações que o Estado sofreu. O número é bem próximo ao registrado na safra anterior, de 7,2 milhões de toneladas.
Mas realizar essa compra “emergencial” era muito interessante nesse momento. Agora, a Polícia Federal (PF) vai investigar se houve fraude no leilão aberto pelo governo federal para a compra de arroz. Já se sabe que duas corretoras ligadas a um ex-assessor do ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, intermediaram a venda. Talvez o motivo da pressa e da ignorância à afirmação dos produtores gaúchos se justifique aí. Alguém ligado ao governo enxergou uma oportunidade de se dar bem. O secretário foi demitido. Foi ele quem ajudou a aproximar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do agronegócio na campanha de 2022. O presidente da Conab, Edegar Pretto, confirmou que o edital foi anulado por suspeitas sobre a capacidade técnica e financeira das empresas. Não há nova data para o certame. Era certo que a iniciativa daria errado.
Este jornal já havia sugerido que o governo gastasse o dinheiro para auxiliar os gaúchos. E isso é possível. Eles já avisaram que tem arroz. O que eles precisam de dinheiro para acelerar a construção de novos caminhos para escoar a produção com celeridade. Não é necessário gastar esse dinheiro fora do País, uma vez que agora é importante socorrer os produtores nacionais.