Editorial
Da fala de Stedile aos imóveis do Vaticano
Recentemente, pela primeira vez, o Vaticano tornou pública informações sobre suas propriedades imobiliárias, revelando que é dono de mais de cinco mil imóveis, na divulgação mais detalhada que já houve de suas finanças.
Seriam 4.051 propriedades na Itália e 1.120 em várias partes do mundo, excluindo embaixadas e representações.
Esse patrimônio imobiliário está relacionado em documentos oficiais do Vaticano, um balanço financeiro consolidado de 2020 da Santa Sé e o primeiro orçamento público da história para a Administração do Patrimônio da Santa Sé.
Bom enfatizar que o Vaticano, chamado oficialmente de Estado da Cidade do Vaticano, é um Estado soberano, sede da Igreja Católica, e que tem como autoridade máxima o papa.
Pois bem, o Vaticano tem propriedades privadas, mas seu líder, o papa, teve de ouvir ao vivo e “calado” João Pedro Stedile, representante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dizer em alto e bom som a frase atribuída a bispo espanhol naturalizado brasileiro dom Pedro Casaldáliga: “Malditas sejam todas as cercas; malditas todas as propriedades privadas que nos impedem de viver e amar”. A fala corrobora a ideologia do MST, de ser contrária à propriedade privada.
Como assim? Stedile amaldiçoou até os imóveis da Igreja Católica, diante de seu atual administrador, ao discursar em uma cerimônia, no sábado (18), que reuniu 12 mil participantes em Verona, Itália, com a presença do papa Francisco, que até concedeu sua bênção à bandeira do MST. A cerimônia foi documentada pelo Vatican News, o canal oficial de notícias do Vaticano.
É importante ressaltar que os métodos do MST são controversos, questionados e reprovados, principalmente pelos que defendem o direito legítimo à propriedade privada. Stedile, a “cara” do MST é a referência política do movimento de esquerda. Descendente de trabalhadores rurais, vindos de Trento, na Itália, nasceu em Lagoa Vermelha, no Rio Grande do Sul, em 1953. Na juventude, tornou-se seminarista e ganhou uma bolsa de estudos na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) - uma das propriedades privadas agora amaldiçoadas por ele, onde se formou em Economia.
Anos depois, distanciado da Igreja, concluiu pós-graduação pela Universidade Nacional Autônoma do México. Em 1979, tornou-se assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT), aproximando-se da questão agrária no País e dos conflitos por terra, que deram origem ao MST, movimento especialista em invadir terras no Brasil, muitas vezes de forma truculenta e totalmente criminosa, conforme previsto no artigo 150 do Código Penal.
O interessante é que entre as atribuições do papado além, claro, de levar às pessoas as crenças católicas, é transmitir mensagens e princípios do cristianismo como, por exemplo, paz entre os povos, caridade, harmonia e respeito e discursos contra as guerras e situações que envolvem práticas violentas. Incentivar invasões de terra não está elencado.
A repercussão do episódio de Verona alimenta o contraditório que permeia a questão da reforma agrária e expõe para o mundo as diferenças de opinião entre os setores da sociedade brasileira. Enquanto alguns veem na bênção papal um gesto de apoio às causas sociais e à luta por justiça agrária, outros enxergam um incentivo a ações que violam o direito à propriedade e à ordem pública.
No parlamento brasileiro, a fala de Stedile foi tema de discursos e de defesa de posições. O deputado federal Coronel Assis (União-MT), por exemplo, questionou se o líder do MST buscava “uma permissão divina para poder amaldiçoar a propriedade particular. Se isso não for um atentado ao Estado Democrático de Direito, não sei mais o que é, porque o direito de propriedade é garantido pela Constituição Federal, é uma cláusula pétrea; portanto, deve ser respeitada”. Vale lembrar que Stedile — aliado histórico do presidente Lula — já avisou que em 2024 haverá um aumento nas invasões de propriedades privadas.