Editorial
A necessária luta contra a venda de peças de veículos sem procedência
O roubo de veículos sustenta a indústria ilegal de desmanches e quem compra peças com origem duvidosa — necessariamente sem nota fiscal e, por isso, mais baratas — é o principal financiador das organizações criminosas. Em 2023, em todo o Estado de São Paulo, mais de 65 mil pessoas tiveram seus veículos roubados e, algumas, ainda sofreram violência física e outras perderam a vida. Tudo para alimentar o mercado clandestino de “peças de sangue”.
Diante dessa triste realidade, o Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP) realizou — entre janeiro e abril deste ano — 322 ações de fiscalização em desmanches (73 a mais do realizado no mesmo período em 2023).
Como resultado das ações em todo o Estado, neste ano foram lacrados e autuados 23 negócios irregulares. Nos quatro primeiros meses do ano passado, esse número foi muito maior, 72. A redução de 68% é um forte indício de que o mercado está se ajustando à atitude mais firme do Detran-SP.
Além de peças retiradas de veículos roubados, os desmanches do crime vendem itens de comercialização restrita, como molas, amortecedores, cinto de segurança e vidros.
São parceiros do Detran-SP contra o comércio clandestino de peças, a Polícia Civil, a Polícia Militar, as Guardas Civis Municipais e os órgãos de Vigilância das Prefeituras. Nesse contexto, o cerco aos desmanches está dentro de um movimento maior. Não só empresas que vendem peças usadas, mas todos os agentes delegados ou regulados pelo Detran-SP são fiscalizados. No primeiro trimestre deste ano, o Detran-SP promoveu 503 ações junto aos delegatários ou regulados, entre desmontes, autoescolas, despachantes, estampadoras de placas. Em 2023, foram 7.572 fiscalizações desse tipo um número 10% superior ao do ano anterior. Desse total, 1.346 se deram em desmontes de autopeças, tanto os credenciados quanto os clandestinos.
É importante que o cidadão de bem realize a consulta dos estabelecimentos credenciados no portal do Detran-SP antes de efetuar qualquer serviço. Caso a empresa não seja encontrada na pesquisa, o local deve ser evitado. As peças também podem ser consultadas pelo site do Detran-SP, basta acessar https://www.detran.sp.gov.br/wps/portal/portaldetran/cidadao/veiculos/servicos/autopecas .
Caso o cidadão desconfie de que um local seja irregular, é possível denunciar ocorrências desse tipo no Disque Denúncia 181. O serviço é da Secretaria de Estado da Segurança Pública e o sigilo é absoluto. A denúncia também pode ser feita na internet, pelo site www.webdenuncia.org.br.
Necessário comentar que o comércio clandestino de peças cresce em resposta à demanda do consumidor final. E, muitas das vezes, esse comprador mal sabe que ele pode até mesmo ser enquadrado no crime de receptação, que, inclusive, prevê de um a quatro anos de reclusão. O Código Penal brasileiro trata como receptação culposa a falta de cuidado quanto à origem do objeto comprado ou recebido que tenha origem criminosa. Daí, como diz o ditado popular “o barato sai caro” e vem associado a muita dor de cabeça e outras consequências jurídicas.
No Estado de São Paulo, vigora, desde 1º de julho de 2014, a Lei 15.276, a “Lei do Desmanche” (nº 15.276), implementada para controlar a atividade de depósitos, oficinas e empresas que comercializam peças retiradas de veículos. A iniciativa, regulamenta lei federal de mesmo teor, com o objetivo de coibir casos de furtos e roubos de veículos para desmontagem e abastecimento do mercado ilegal de peças. Dentre outras coisas, a lei determina que as empresas sejam cadastradas no Detran-SP e na Secretaria da Fazenda e Planejamento do governo paulista. Portanto, comprar peças usadas não é crime, desde que a procedência seja conhecida e legal. Uma forma para garantir o que se compra é, sempre, exigir a nota fiscal. Portanto, não basta boa-fé, é preciso exercer o pleno direito de cidadão.