Editorial
O governo ajuda se não atrapalhar
Em nosso país há uma overdose de burocracia (...) que trava a roda da economia
Há um provérbio popular que diz: “muito ajuda quem não atrapalha”. Esse sábio raciocínio se aplica perfeitamente à excessiva e atabalhoada interferência do Estado Brasileiro na iniciativa privada. Conquanto algumas regras e conceitos sejam indispensáveis à condução saudável das empresas em qualquer parte do planeta, em nosso país há uma verdadeira overdose de burocracia que obstrui o dia a dia dos empreendedores, encarece procedimentos e trava a roda da economia. O resultado é o avesso do que todos - incluindo o próprio governo - almejam: baixa competitividade, menos empregos e queda na arrecadação de impostos, entre outros tantos desacertos. Além do evidente prejuízo financeiro, vale ressaltar as armadilhas que o intrincado sistema acaba propiciando aos espertinhos de plantão, sempre prontos a burlar as leis em busca de vantagens.
Instituições representativas do setor produtivo, como Fiesp e Fecomércio, além de estudiosos do tema concordam que as principais fomentadoras dos problemas elencados acima ocorrem em três fases distintas dos empreendimentos, começando pelos entraves no momento da abertura, seguindo pelo bloqueio da produção e chegando a uma eventual necessidade de encerrar as atividades. De acordo com estudo da rede Endeavor - aceleradora de empreendimentos presente em 40 países -, pode levar mais de seis meses para se abrir de fato uma empresa no Brasil. Nos Estados Unidos, todo o processo é feito on-line e o CNPJ fica disponível, em média, uma hora após a solicitação. Outra diferença básica é o custo: a legislação brasileira exige emissão de documentos, reconhecimento de firma e declarações. Tudo isso acaba onerando e dificultando ainda mais o início de um negócio, por menor que seja.
A segunda forma que a Endeavor identifica sobre a falta de produtividade ligada à burocracia nas empresas é quando ela afeta suas operações. Documentos, certificados, impostos excessivos... São muitas horas gastas só para cuidar disso. O processo abre tantos gargalos que impede empreendedores com estrutura reduzida de destinar sua atenção a outros setores da firma. Ademais, as informações sobre controle tributário e toda a regulamentação envolvida é escassa e de difícil acesso, o que torna a missão do gestor mais penoso e demorado. Na maioria dos casos, apesar da dedicação dos empresários nesses trâmites, mais de 39% de todas as empresas brasileiras tinham, em 2023, pelo menos uma pendência de pagamento de tributos federais ou no próprio cumprimento das exigências, segundo uma pesquisa realizada pela Neoway.
Por fim, a terceira forma da “papelocracia” manifestar-se nas empresas é justamente no fechamento delas. Para se ter uma noção, segundo a Neoway, mais de 3 milhões de CNPJs estão ativos na Receita Federal, apesar da baixa probabilidade de ainda estarem atuando no mercado. Esse número engloba os micro, pequenos e médios empreendimentos, que por algum motivo, muito provavelmente alguma pendência na Receita Federal ou outro órgão / etapa, não conseguiram chegar ao fim do processo.
Depois de anos avaliando o mercado brasileiro, a Endeavor chegou à conclusão de que, independente da forma como a burocracia se manifesta, uma coisa é clara: é preciso ter um maior incentivo do governo para ajudar no ciclo de vida das empresas. Assim, empreender seria mais simples e muito provavelmente mais adotado por aqueles que planejam ter o próprio negócio.
Diante desse inexplicável paradoxo nacional, é digna de aplausos e de apoio a iniciativa do governo paulista de reverter esse estado de coisas em seu território. Lançado em setembro do ano passado, o programa Facilita SP colocou em prática a tão propalada, mas nunca levada a sério, teoria da liberdade econômica. O projeto, dividido em etapas, já passou pela fase de regulamentação de leis, pela criação do Comitê Facilita SP, que envolve diversos órgãos reguladores para a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (Cnaes) e, agora, busca o engajamento das prefeituras.
Em artigo publicado pelo Cruzeiro do Sul na edição de ontem (13), o titular da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Jorge Lima, lamentou que, até mesmo, o Estado mais produtivo da federação esteja tão longe do ideal no que se refere à regulação do setor produtivo. “Embora represente um terço do PIB brasileiro, seja a terceira maior economia da América Latina e concentre cerca de 35% das empresas formais no Brasil, segundo dados do IBGE, São Paulo ainda está atrasado”, admitiu.
Responsável pela implantação da metodologia de modernização empresarial no Estado, Lima conclamou os prefeitos dos 645 municípios a aderirem ao programa por meio de decreto, visando a integração, simplificação de procedimentos e estímulo à atividade empreendedora também no âmbito das exigências municipais. A partir da oficialização da parceria, as municipalidades passam a receber suporte técnico e consultoria especializada para a adequação regulatória, integração tecnológica e modernização processual.
O secretário revelou que algumas prefeituras chegam a gastar, em média, seis dias para analisar a viabilidade locacional, uma das etapas necessárias na abertura de uma empresa. Segundo ele, com a adesão ao programa estadual, esse processo será instantâneo, assim como ocorre nos EUA. Além disso, os municípios terão acesso a um sistema integrado e ganharão selos de reconhecimento, à medida em que avançarem nos requisitos do programa. Dessa forma, as pessoas saberão se a cidade em que vivem é rápida ou lenta, fácil ou difícil, de estabelecer um empreendimento.
São Paulo tem a oportunidade de dar mais um exemplo de superação e planejamento ao restante do Brasil. O grau dessa demonstração depende, agora, da resposta e da agilidade dos administradores municipais.