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Editorial

Transparência para inglês ver

Os números são claros ao denunciar que as instituições nacionais ainda precisam aprimorar o seu nível de transparência

07 de Março de 2024 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Somente agindo dessa maneira, com total clareza, como é de se esperar, estarão garantindo prerrogativas inerentes à população
Somente agindo dessa maneira, com total clareza, como é de se esperar, estarão garantindo prerrogativas inerentes à população (Crédito: Reprodução)

Criado há mais de 12 anos, o dispositivo que leva o pomposo e sugestivo nome de Portal da Transparência, por enquanto, faz parte do extenso rol de boas intenções que se perderam no meio do caminho.

A Lei Federal nº 12.527, em vigor desde 18 de novembro de 2011, detalha em seus 46 artigos -- com mais de uma centena de parágrafos, além de outros tantos incisos e alíneas -- de que forma os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, nos âmbitos federal, estadual e municipal, devem tornar acessíveis a todos os cidadãos, por meio da internet, dados relacionados à estrutura, gastos, processos licitatórios, contratos, concursos e recursos humanos, entre outros atos.

Na prática, esse procedimento deveria garantir àqueles que custeiam a máquina pública, literalmente, com o suor do seu rosto, o direito -- que, aliás, já lhes pertence naturalmente -- de conhecer, questionar e atuar como fiscal da aplicação dos recursos públicos.

Lamentavelmente, como tantas outras legislações tão óbvias que nem precisariam ser editadas, a prestação de contas dos bens coletivos segue aos trancos e barrancos. As falcatruas em concorrências e desvios de recursos, entre tantas formas de ludibriar a sociedade, denunciadas quase que diariamente pela imprensa de norte ao sul do País, provam que ainda vai longe o dia em que separar o público do privado será padrão ao invés de exceção.

Uma prova de que esse cancro enraizado e quase cultural carece de um remédio amargo, é o retrocesso da transparência dos portais públicos brasileiros registrado no mais recente relatório do Programa Nacional de Transparência Pública (PNTP).

De acordo com o estudo, o índice geral médio de todas as 8.045 instituições avaliadas caiu em 2023, atingindo 58,11% dos quesitos do levantamento. No ciclo 2022, o Índice Geral de Transparência (IGT) dos portais públicos estava registrado em 67,55%.

Considerando os grupos de critérios de avaliação -- 20, ao todo, analisados pelo PNTP -- os resultados mais baixos estão relacionados às emendas parlamentares (19,37%), renúncia de receita (21,51%) e obras (24,61%). Outros temas com baixo índice de disponibilização de informações são saúde (29,8%) e educação (26,15%).

O estudo também fez um recorte a partir dos portais das esferas federal, distrital, estadual e municipal. Com relação às três primeiras, os níveis de transparência são considerados meramente “bons” e com necessidade de aprimoramento -- 71,36%, 78,18% e 81,84%, respectivamente. Já no âmbito municipal, o índice geral ficou em 57,65% -- avaliado como “baixo”.

Segundo o estudo, os portais das Câmaras Municipais são os que apresentam o menor índice médio, 55,53%. Na avaliação individual dos três poderes e dos órgãos autônomos, o melhor índice de transparência é apresentado pelos Tribunais de Contas (90,42%), seguidos pelo Ministério Público (86,44%), Poder Judiciário (78,75%) e Defensoria Pública (70,13%).

O Executivo e o Legislativo apresentaram um índice significativamente inferior, de 59,68% e 55,58%, respectivamente.

Embora não seja tão minucioso quanto se desejaria -- não mostra, por exemplo, valores envolvidos e práticas irregulares --, o PNTP revela uma medida aproximada da transparência pública ativa no País. Além disso, conta com avaliadores especializados, como os membros do Tribunal de Contas da União, Associação dos Membros dos Tribunais de Contas, Conselho Nacional de Controle Interno, Associação Brasileira das Agências de Comunicação, Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas e Instituto Rui Barbosa.

Sendo óbvio, que a administração pública deve estar acessível ao cidadão, os portais desempenham papel essencial para isso. Analisando o seu conteúdo com técnica, imparcialidade e profissionalismo -- a partir de um manual detalhado e com base em evidências --, é possível identificar lacunas ou inconsistências.
E isso é fundamental para o controle social e a accountabilitty, o conjunto de práticas utilizadas pelos gestores na prestação de contas. Em contrapartida, a divulgação das boas práticas adotadas por alguns atores políticos podem servir de referência e inspiração aos demais.

De uma forma ou de outra, os números -- que, quando não mascarados e/ou manipulados traduzem a realidade -- são claros ao denunciar que as instituições nacionais, em todas as esferas e setores, ainda precisam aprimorar, e muito, o seu nível de transparência.

Somente agindo dessa maneira, com total clareza, como é de se esperar, estarão garantindo prerrogativas inerentes à população, incluindo saber exatamente o que se passa detrás das portas dos três poderes, como os frutos do seu trabalho estão sendo utilizados e, mais do que isso, exigindo mudanças de rumos.

Uma das consequências de tudo isso, a punição daqueles que descumprem as regras, possibilitará, enfim, o exercício pleno do tão propalado e pouco respeitado Estado Democrático de Direito. Quaisquer outros cenários não passam de fingimento, enganação como as famosas histórias para boi dormir ou, neste caso, as tradicionais leis para inglês ver.