Editorial
Ainda é perigoso ser mulher no Brasil
Necessário agora é realizar um maciço trabalho de educação para a sociedade como um todo
Na primeira semana do mês dedicado às mulheres, é preciso falar sobre um dos perigos que rondam esse grupo, o feminicídio. De janeiro a outubro de 2023, o país registrou 1.158 assassinatos de mulheres pelo simples fato de serem do sexo feminino.
São casos ligados à violência doméstica ou à misoginia, ou seja, quando o agressor tem um sentimento de menosprezo ou atitudes discriminatórias contra o sexo feminino.
O Estado de São Paulo teve no ano passado o maior número de feminicídios desde 2018, quando os dados passaram a ser divulgados separadamente das demais estatísticas de homicídio.
Segundo a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP), foram registradas como feminicídio 221 mortes de mulheres em 2023.
Na Região Metropolitana de Sorocaba (RMS), o noticiário policial recente trouxe, infelizmente, alguns exemplos dos números citados acima.
No final de fevereiro, um crime chocou a tranquila cidade de Porto Feliz. Mãe e filha foram mortas. Débora não queria continuar o relacionamento e, por isso, foi assassinada com um corte no pescoço. Sua filha, de 13 anos, foi morta em um incêndio causado pelo assassino, o ex-companheiro da mãe. Ele também morreu nas chamas, comprovando o desequilíbrio psicológico que reinava no seu interior.
Em Itu, mais um homem inconformado com o fim do relacionamento se transformou em assassino da esposa. Thainná levou uma facada, foi socorrida, mas não resistiu.
Em Sorocaba, outra mulher foi agredida a chutes pelo ex-marido que a aguardava na porta de seu endereço atual. Ela recebeu ajuda do porteiro, que interveio, fazendo com que o agressor deixasse o local.
No domingo (3), o jornal Cruzeiro do Sul trouxe extensa reportagem sobre o Centro de Integração da Mulher (CIM Mulher) e o abrigo mantido pela entidade.
Em um endereço sigiloso, o local recebe mulheres com seus filhos, sendo um refrigério temporário para aquelas que não tiveram paz em casa e também não a encontram quando tentam recomeçar a própria vida. São perseguidas e ameaçadas, tendo o medo e o estresse como rotina.
Em Sorocaba, o aplicativo Protege Mulher está instalado no celular de 1.165 mulheres que têm medida protetiva contra um homem.
Em 2022, foram registrados 216 chamados via aplicativo, que resultaram em 56 pessoas detidas. Em 2023, foram 232 acionamentos e 52 detidos.
Nem apenas as companheiras são vítimas da violência doméstica, e não é difícil histórias de mães e irmãs que recorrem à Justiça solicitando medidas de afastamento contra filhos e irmãos.
Muitos são usuários de drogas ou estão insatisfeitos com alguma questão material como divisão de bens e heranças. Isso escancara outras violências sofridas pelas mulheres: a financeira e a psicológica.
A cultura latina é apontada como uma das grandes responsáveis por esses quadros. Mas, no Brasil, as leis são tão atrasadas quanto essa faceta violenta que ainda emerge, independente da classe social.
Vale lembrar que há apenas 22 anos, com o advento do Novo Código Civil, a mulher deixou de ser propriedade do marido.
Antes do ano de 2002, a lei vigente -- de 1916 -- impunha às mulheres a necessidade de ter autorização do marido para trabalhar fora de casa e praticar atos da vida civil como receber ou rejeitar heranças, por exemplo.
O homem era posto como chefe da casa e da família, colocando as esposas em posição de submissão e subordinação. As mudanças legais foram tardias, mas vieram.
Necessário agora é realizar um maciço trabalho de educação para a sociedade como um todo. Mostrar aos homens, principalmente, que a saúde mental e o equilíbrio emocional são importantes e evitam tragédias.
Um programa de inteligência e independência emocional pode ser uma boa opção para os agressores entenderem a gravidade do quadro.
Já que a violência doméstica, além da diferença da força física entre os envolvidos, tem como grande covardia exatamente o fato de acontecer dentro de casa, local que deveria ser reservado à paz e à segurança da família.
Muito já se avançou, muito está sendo feito, mas ainda é preciso mais, muito mais.
O clamor justifica-se com os números apresentados no início deste texto e a conclusão que fica é a de que ainda é perigoso ser mulher no Brasil.