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Editorial

Questionamentos e perturbações

As bênçãos informais aos casais homossexuais, não podem ser igualadas ao casamento canônico

06 de Janeiro de 2024 às 22:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
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O Vaticano se meteu numa enrascada daquelas ao tornar pública, em dezembro do ano passado, a Declaração Fiducia Supplicans. Nesse texto, divulgado no dia 18, o papa Francisco permitiu que a Igreja Católica garantisse as bênçãos a casais homossexuais ou em situação considerada “irregular”.

A reação dos setores mais conservadores, críticos contumazes de várias atitudes tomadas pelo papa argentino, foi imediata. Alguns religiosos chegaram a falar em heresia e em blasfêmia. Bispos de vários países, principalmente da África, se negaram a cumprir a determinação, afirmando que esse tipo de atitude contraria todos os preceitos da Igreja.

A Conferência Episcopal de Moçambique anunciou que não seguiria a recomendação, atitude inédita para uma entidade que reúne todos os bispos de um país. Para os líderes católicos de Moçambique, essas bênçãos teriam o poder de provocar “questionamentos e perturbações” nas comunidades cristãs.

A mesma decisão foi tomada em Malauí e Zâmbia, país onde a simples relação homossexual pode ser punida com 15 anos de prisão ou até mesmo com a execução. Bispos de Angola, Quênia, Nigéria, São Tomé e Príncipe, Uganda e Zimbábue estão entre os demais clérigos africanos que disseram que não abençoarão casais do mesmo sexo.

No Peru, o bispo de Moyobamba, Rafael Escudero, orientou os sacerdotes de sua diocese a, “dada a falta de clareza do documento”, seguirem “a práxis ininterrupta da Igreja até agora, que é abençoar toda pessoa que pede bênção, e não casais do mesmo sexo ou casais em situação irregular”.

A situação se agravou tanto que o Vaticano teve que se posicionar de forma mais clara. O prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal argentino Víctor Manuel Fernández, emitiu comunicado para esclarecer alguns pontos da Declaração Fiducia Supplicans. O principal deles procura esclarecer a diferença entre bênçãos litúrgicas, como o matrimônio, das bênçãos pastorais, como seria o caso.

O texto apresentado pela Doutrina da Fé chega a apresentar um exemplo elucidativo do que seria uma “bênção pastoral”: “Senhor, olhai para estes teus dois filhos, concedei-lhes saúde, trabalho, paz, ajuda mútua. Livrai-os de tudo o que contradiz o teu Evangelho e concedei-lhes que vivam segundo a tua vontade. Amém”.

Segundo o cardeal Fernández, trata-se de “bênçãos sem forma litúrgica que não aprovam nem justificam a situação em que estas pessoas se encontram”. Ele garantiu ainda à comunidade católica que a doutrina a respeito de matrimônio e sexualidade, por parte da Igreja, não sofreu nenhuma alteração. Nesse sentido, essas “bênçãos pastorais, para se distinguirem das bênçãos litúrgicas ou ritualizadas, devem antes de tudo ser muito breves”.

A Fiducia Supplicans justifica a decisão com uma pergunta: “São 10 ou 15 segundos. Faz sentido negar esse tipo de bênção a duas pessoas que imploram?”. Com as explicações agora dadas, o Vaticano procurou deixar claro que a bênção quando solicitada por um casal “em situação irregular”, nunca poderá ser realizada concomitantemente com os ritos civis de união ou com vestidos de noiva, por exemplo, para evitar qualquer confusão. As bênçãos informais aos casais homossexuais, não podem ser igualadas ao casamento canônico.

O Vaticano admitiu que o tema é polêmico e cada comunidade vai ter que ter seu tempo próprio para seguir a recomendação. O que se concluiu de toda essa confusão é que o papa Francisco acabou tomando uma atitude intempestiva, sem ouvir o que pensa a maioria da Igreja Católica. Os esclarecimentos do Vaticano soaram mais como um recuo envergonhado após um severo puxão de orelha.