O transporte ferroviário de passageiros foi um dos meios de locomoção mais importantes do País. Houve um tempo em que embarcar em um trem na estação de Sorocaba para ir até Presidente Epitácio, no extremo oeste do Estado, à beira do rio Paraná, ou ao litoral -- não à toa, Mongaguá ficou conhecida como a “praia dos sorocabanos” -- estava ao alcance de todos.

Até mesmo ao Uruguai foi possível, um dia, chegar por trilhos, a bordo do Trem Internacional -- que, em solo brasileiro, era operado conjuntamente pelas ferrovias de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. A federalização e a privatização da Ferrovia Paulista S/A (Fepasa), no final dos anos 1990, com prioridade para o transporte de cargas, encerrou esse tipo de transporte. Mas o hábito pode ser revivido, em Sorocaba, com uma outra vocação -- a da cultura e do turismo.

Entidade sem fins lucrativos que se dedica a recuperar o patrimônio ferroviário local remanescente e tem a concessão de uso da ferrovia Sorocaba-Votorantim, a Sorocabana - Movimento de Preservação Ferroviária retomou, em agosto deste ano, a realização de passeios de trem abertos ao público, numa extensão de 1,5 quilômetro entre a Estação Paula Souza, na região central, e a Fábrica Santa Maria, na Vila Hortência. Até hoje (30), último dia do calendário, cerca de 10 mil pessoas terão sido transportadas, o que já faz do trem turístico uma das principais atividades de lazer da cidade.

Os passeios são realizados com uma locomotiva a diesel -- a locomotiva a vapor, segundo os responsáveis, encontra-se em manutenção -- e um carro de passageiros histórico, originário da antiga Estrada de Ferro Sorocabana (EFS). Os equipamentos antigos, com as cores e emblemas originais das ferrovias; o bilhete de papel e a presença do chefe de trem com seu picotador, como nos velhos tempos, ajudam a recriar uma atmosfera que as novas gerações não conheceram, já que as viagens regulares foram encerradas há mais de duas décadas. A guia ajuda a contar, às crianças e adolescentes, como esse meio de transporte ajudou a impulsionar a economia local e representou, por décadas, a principal força de trabalho da cidade, juntamente da indústria têxtil.

Os dois temas, inclusive, estão unidos no projeto do Trem dos Operários -- nome que remete aos antigos passageiros do bondinho da Fábrica de Tecidos Votorantim, que funcionou até 1966. O objetivo principal do projeto é unir as duas cidades, futuramente, com um trem turístico entre Sorocaba e Votorantim. Para que isso ocorra, é necessária a recuperação completa dos seis quilômetros de trilhos. No momento, os trabalhos se concentram dentro do limite territorial de Sorocaba, a partir da receita das viagens e do apoio de parceiros. Por isso a extensão do passeio atualmente é reduzida, e precisa de incentivos para ser expandida.

A preservação das tradições ferroviárias ajuda a contar um pouco da história de cada um de nós. Mais do que um ciclo econômico, a ferrovia contribuiu para a formação identitária da cidade e de seu povo, a partir das suas contribuições no ensino, no esporte, na arquitetura, na tecnologia e no zoneamento urbano. Além disso, é uma forma de dar utilidade a equipamentos e áreas que, caso contrário, seriam problemas urbanos por conta da degradação que normalmente sofrem a partir da desativação do transporte de cargas.

Neste momento, a utilização do modal ferroviário para o transporte de pessoas volta a ser discutida pelo Governo do Estado de São Paulo, como mobilidade urbana, a partir do projeto de implantação do Trem Intercidades; e também para a finalidade turística, com a criação de um grupo de trabalho na Secretaria de Turismo e Viagens que deverá elaborar uma proposta de expansão dos roteiros. Enquanto isso, a grande procura dos sorocabanos -- os ingressos sempre se esgotam em pouco tempo -- pelos passeios de trem reafirma a relação afetiva que sempre existiu entre o tema e a população, mas que andava escondida por trás do abandono ao qual esse meio de transporte foi relegado nos últimos anos.