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Editorial

O preço da amizade

O risco de uma invasão e de um ataque militar, logo após o resultado do referendo, é grande

02 de Dezembro de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
O Brasil mesmo, apesar de Lula ser amigo de Maduro como já demonstrou várias vezes, tem evitado se posicionar publicamente a favor do pleito venezuelano.
O Brasil mesmo, apesar de Lula ser amigo de Maduro como já demonstrou várias vezes, tem evitado se posicionar publicamente a favor do pleito venezuelano. (Crédito: Divulgação/Ricardo Stuckert)

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, dá hoje mais um passo em sua estratégia de tentar tomar um território, rico em petróleo, que está há mais de um século sob domínio da Guiana. O povo venezuelano participa, neste domingo, 3, de um referendo que autorizaria o governo do país a incorporar o território conhecido como Essequibo. A desavença entre os dois países está causando tensão na região, o que obrigou o Ministério da Defesa do Brasil a intensificar as operações na fronteira.

A iniciativa de Maduro tem recebido fortes críticas internacionais. A Corte Internacional de Justiça, sediada em Haia, decidiu na sexta-feira, 1º, que a Venezuela não pode tentar anexar Essequibo. Os juízes da Corte Internacional de Justiça determinaram também que “ambos os países devem se abster de quaisquer ações que agravem a disputa fronteiriça”.

O governo Maduro afirmou que não reconhece a Corte de Haia e que, portanto, vai manter a realização da consulta pública.

O tribunal de Haia é a corte mais alta da Organização das Nações Unidas (ONU) para resolver disputas entre Estados, mas não pode obrigar nenhum país a cumprir suas decisões. Só que desrespeitar o que foi decidido lá pode acarretar em sanções internacionais e na dificuldade de arrumar futuros aliados para o propósito. O Brasil mesmo, apesar de Lula ser amigo de Maduro como já demonstrou várias vezes, tem evitado se posicionar publicamente a favor do pleito venezuelano.

Essequibo é uma região maior que a Inglaterra e representa 70% do território da Guiana. A área faz fronteira com o norte do Brasil e está de posse da Guiana desde que o país se tornou independente do Reino Unido.

A Guiana afirma que a iniciativa venezuelana é uma ameaça à soberania do país e essa briga não vem de hoje.
Em 2018, a Guiana pediu à Corte de Haia que confirmasse a validade jurídica e o efeito vinculativo da sentença relativa à fronteira entre a colônia da Guiana inglesa e o Estados Unidos da Venezuela, de 3 de outubro de 1899.

Em abril deste ano, a Corte Internacional de Justiça afirmou que tem legitimidade para tomar as decisões sobre a disputa. A Guiana então solicitou que algo fosse feito para impedir o referendo. A decisão só saiu agora.

Nas redes sociais, Nicolás Maduro defendeu a votação alegando que o território pertence à Venezuela.

“Não deixaremos que ninguém nos tire o que nos pertence, nem trairemos os nossos princípios. Defenderemos Essequibo!”, disse ele.

O interesse venezuelano por Essequibo só aumentou, de fato, depois que a empresa ExxonMobil descobriu, em 2015, uma vasta reserva de petróleo na região. Isso fez que a Guiana ganhasse o título de maior reserva per capita de petróleo do mundo e melhorasse e muito sua arrecadação e suas contas públicas.

A Venezuela, quebrada pela dobradinha da ditadura Chavez/Maduro, tenta agora surrupiar a área que pertence ao país vizinho. O risco de uma invasão e de um ataque militar, logo após o resultado do referendo, é grande.

Goste ou não goste da situação, a disputa fronteiriça tem criado uma série de desconfortos diplomáticos para o Brasil. A secretária da chancelaria brasileira para América Latina e o Caribe, Gisela Padovan, disse na quinta-feira, 30 de novembro, que o governo acompanhava a situação com “preocupação”.

Resta saber qual é essa preocupação real da diplomacia brasileira: ter que se posicionar contra Maduro e ferir a amizade dele com Lula ou apoiar mais um delírio do sanguinário ditador vizinho que agora ameaça à soberania da Guiana. O que se sabe, com certeza, é que qualquer que seja a posição brasileira o prejuízo será grande.

Se ficar do lado da Venezuela estará apoiando um invasor que contrariou uma decisão de Haia e pode receber sanções internacionais. Se decidir pelo apoio à Guiana estará rompendo com a Venezuela e aí a enorme dívida que o país tem com o Brasil jamais será paga. Além disso, projetos de fornecimento de energia para a região Norte podem ser interrompidos. Dá para entender porque o momento é de tensão e de atenção na fronteira.