Editorial
O buraco é mais embaixo
Pesquisas atuais, muito mais precisas que as de antigamente, mostram que o aumento dos buracos na camada de ozônio permanece em alta
Há décadas foi feita uma imensa campanha para que a população, do mundo todo, deixasse de usar produtos tipo “spray”. Desodorantes, perfumes, cremes de barbear, tudo foi banido e considerado o grande vilão do planeta na época.
O gás utilizado nos congeladores também foi alvo de perseguição dos ambientalistas. Segundo os estudos da época, os clorofluorocarbonetos (CFCs) utilizados nesses produtos, ao serem despejados na atmosfera, eram responsáveis pela destruição da camada de ozônio que cobre o planeta. Os buracos que começaram a surgir nessa camada permitiam que raios solares nocivos atingissem a humanidade e provocassem o aumento da temperatura na Terra.
A cruzada foi grande e as indústrias correram para desenvolver produtos que não utilizassem o CFC. Quem não conseguiu se adaptar acabou banido do mercado ou foi substituído por outras empresas mais alinhadas às exigências ambientais da época.
Só que todo esse esforço parece ter sido em vão. Pesquisas atuais, muito mais precisas que as de antigamente, mostram que o aumento dos buracos na camada de ozônio permanece em alta.
No caso da Antártida, por exemplo, o buraco na camada de ozônio tem crescido a cada primavera no hemisfério sul nas últimas duas décadas, apesar da proibição de substâncias químicas que a destroem.
Na estratosfera, a camada de ozônio é responsável por proteger a Terra de radiações solares perigosas. Ela está localizada entre 11km e 40 km acima da superfície terrestre e filtra os raios ultravioleta do Sol, que podem causar câncer, alterar o sistema imunológico e até danificar o DNA dos seres vivos.
Na década de 1970, os clorofluorocarbonetos (CFCs), na época muito utilizados em aerossóis e refrigeradores, foram identificados como os principais responsáveis pelo enfraquecimento dessa proteção, causando “buracos” a cada ano, um dos quais, especialmente grande, sobre a Antártica.
Em 1987, o Protocolo de Montreal foi aprovado, proibindo os CFCs com o objetivo de eliminar esses buracos. No início do ano passado, especialistas ligados à ONU previram que a camada de ozônio deveria se recuperar até 2066 sobre a Antártica, até 2045 sobre o Ártico e até 2040 no restante do mundo.
Só que essa expectativa não vem se confirmando, apesar da redução no uso de CFCs, o buraco sobre a Antártica não registou redução significativa. De acordo com a pesquisadora Annika Seppala, do departamento de Física da Universidade neozelandesa de Otago, seis dos últimos nove anos foram marcados por níveis muito baixos de ozônio e os buracos permaneceram extremamente grandes. Para Annika há outros fatores interferindo na recuperação da camada de ozônio e é necessário descobrir, o quanto antes, o que está provocando o problema.
Esta semana, o secretário-geral da ONU, António Guterres, esteve na Antártida para conhecer de perto a situação. Durante a visita ele se disse alarmado com o que está acontecendo na região. Para Guterres, as evidências mostram, “de forma esmagadora, que há uma aceleração do derretimento do gelo, o que poderá ser catastrófico para as comunidades costeiras de todo o mundo”.
Para o chefe da ONU, o continente gelado, que tem sido chamado de gigante adormecido, agora “está sendo despertado pelo caos climático”. Ele também afirmou que “a poluição por combustíveis fósseis está aquecendo o planeta, desencadeando a anarquia climática na Antártida”, acrescentando que o Oceano Antártico absorveu a maior parte do calor do aquecimento global.
O gesto de Guterres acontece dias antes do início da 28ª Cúpula do Clima, COP28, que será nos Emirados Árabes, um dos países líderes na produção de petróleo. O secretário-geral da ONU pediu aos governantes mundiais a adoção de ações imediatas para tentar limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C. Essas medidas ajudariam a proteger as pessoas do caos climático e acabar com a era dos combustíveis fósseis. Só que a solução não é nada simples. Mexe com bilhões de dólares e com a riqueza de muitas nações. Nas próximas décadas, a sociedade vai ter que conviver com os fenômenos extremos. Algumas vidas, infelizmente, serão perdidas até que o planeta consiga se reequilibrar ambientalmente.