Editorial
Peça nova no tabuleiro político
A chegada de Milei quebra muitos paradigmas da política do país vizinho
O novo presidente eleito da Argentina, Javier Milei, toma posse no dia 10 de dezembro. A transição é bastante curta e deve ser iniciada hoje, com as primeiras tratativas entre o governo atual e o futuro.
Alberto Fernandez, que deixa o comando do país dentro de poucas semanas, não vai deixar saudades.
Sob o comando dele, a Argentina viu a economia ruir, o número de pobres aumentar e o caos se instalar em várias regiões. Ondas de saques tomaram conta de muitas cidades, houve racionamento, principalmente de combustíveis, e um número sem fim de protestos e manifestações.
A administração Fernandez foi tão desastrosa que ele sequer teve coragem de disputar a reeleição. Jogou a bomba no colo do seu ministro da Economia, Sergio Massa, um dos responsáveis pela escalada da inflação e pelo descontrole financeiro.
Segundo analistas econômicos, o índice de inflação, na Argentina, deve fechar o ano em 180%.
Esse cenário catastrófico fez com que o discurso de Javier Milei ecoasse em todos os cantos do país e conquistasse os jovens, os aposentados, o setor agropecuário e as mulheres da classe média.
A soma de todos esses votos permitiu que Milei conquistasse uma vitória esmagadora no segundo turno das eleições, abrindo uma vantagem de mais de 11% sobre o adversário.
A diferença foi tão grande que fez com que Massa, que disputava com Milei, reconhecesse a derrota antes mesmo que os primeiros números oficiais da eleição fossem divulgados.
Isso num país que preferiu preservar os votos em cédula de papel e na apuração manual, sem apostar nas urnas eletrônicas.
Resta saber, agora, como o presidente eleito vai transformar seu discurso em ações e como será a relação dele com o Congresso, uma vez que o futuro governo não possui maioria de votos nem na Câmara, nem no Senado.
A “terapia de choque” prometida por Milei para equilibrar as contas do governo inclui privatizar empresas estatais e cortar 15% dos gastos públicos.
Segundo Milei, esse tipo de ação ajudaria a acalmar o Fundo Monetário Internacional (FMI), ao qual o país se esforça para pagar um empréstimo de US$ 44 bilhões, concedido em 2018, durante o governo do então presidente Mauricio Macri.
Milei defende ainda acabar com subsídios aos transportes, energia e água, liberar os preços e eliminar os impostos de exportação.
A peça fundamental de seu projeto é a dolarização da economia, com o objetivo de reduzir a inflação com uma moeda estável.
O presidente eleito garante que o projeto será executado com os dólares que os argentinos guardam há vários anos em casa.
O principal conselheiro econômico do ultradireitista, Emilio Ocampo, afirmou em uma palestra em agosto que a dolarização “é a alternativa com menor probabilidade de fracasso”.
Além do desafio de reconstruir a economia da Argentina, Milei ganhou uma série de inimigos durante a disputa eleitoral.
Esses grupos prometem não dar trégua a ele desde o primeiro dia de mandato. Essa resistência ativa reúne principalmente as organizações de defesa dos direitos humanos, as feministas, os coletivos LGBT e os ambientalistas.
Apesar de derrotados, esses grupos querem impor à força sua agenda progressista.
Para vencer esses desafios todos, Milei vai precisar fazer acordos políticos.
O partido dele, A Liberdade Avança, entrou no Parlamento em 2021 com três deputados e agora é a terceira força (38 de 257 parlamentares) em uma Câmara dos Deputados em que nenhum grupo tem maioria absoluta, mas na qual o bloco peronista (centro-esquerda) continua sendo dominante (108).
No Senado, A Liberdade Avança tem sete de 72 senadores.
Agora eleito, Milei vai ter que convencer a coalizão de centro-direita Juntos pela Mudança, liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri e por Patricia Bullrich, terceira colocada no primeiro turno e que o apoiou no segundo turno, a aderir aos projetos dele.
A coalizão é a segunda força na Câmara, com 93 deputados.
O futuro da Argentina é impossível de ser previsto. A chegada de Milei quebra muitos paradigmas da política do país vizinho e muitas reações estão por vir.
A própria relação com o Brasil promete ser bastante tensa, com trocas constantes de farpas dos dois lados. A divergência ideológica entre os dois lados pode comprometer vários projetos em comum e o próprio futuro de Mercosul corre risco.
Lula passa a estar em desvantagem nas negociações já que Uruguai e Paraguai também são governados por políticos de direita.
A mudança de posição da Argentina vai mexer com todo o tabuleiro, o desfecho só será conhecido nas próximas jogadas.