Editorial
O jogo de xadrez da política sul-americana
Dessa forma, os povos governados pela esquerda parecem cansados dessa situação e veem na direita uma porta aberta às necessárias mudanças
Os equatorianos elegeram, em segundo turno, no domingo (15), o empresário de direita Daniel Noboa como o novo presidente do país, com mais de 52% dos votos. Ele superou Luisa González, da esquerda, que obteve 48%. Luisa havia vencido Noboa no primeiro turno.
Foi necessário que o Equador realizasse eleições para completar o mandato de Guillermo Lasso, que enfrentava um processo de impeachment, o primeiro na história recente do Equador, devido ao avanço da violência e de assassinatos nas ruas, gerando insegurança na população, e por supostas irregularidades na administração pública. Com um governo sem apoio e com base frágil no Legislativo, Lasso precisou dissolver o Congresso e convocar novas eleições, a chamada morte cruzada. Luisa González disputou as eleições com o apoio do ex-presidente Rafael Correa -- que vive exilado em Bruxelas, depois de ter sido condenado por corrupção.
Pelas redes sociais, o presidente eleito disse: “Hoje fizemos história. As famílias equatorianas elegeram um Novo Equador, elegeram um país com segurança e emprego. Lutemos por um país de realidades, onde as promessas não acabam na campanha e a corrupção seja castigada. Obrigado, Equador”. Daniel Noboa governará até o final de 2025.
Noboa assumirá em dezembro -- o dia ainda não está definido -- e enfrentará um cenário muito complexo: os inéditos índices de insegurança se somam a um difícil quadro socioeconômico, com altos níveis de pobreza e desemprego. As eleições deste ano foram marcadas por episódios de violência durante a campanha. Nos últimos meses, políticos e candidatos a cargos governamentais foram mortos no país. Dentre eles, o candidato presidencial Fernando Villavicencio, antes do primeiro turno, em agosto.
No próximo domingo (22), será a vez dos argentinos escolherem o seu novo presidente. O candidato ultraliberal Javier Milei está liderando as pesquisas de intenção de voto, com Sergio Massa, da esquerda, em segundo lugar e a candidata conservadora Patricia Bullrich em terceiro.
Nas urnas, os argentinos decidirão os rumos de seu país e, a exemplo dos equatorianos, a preferência é pelo candidato da direita, já que o peronismo não vive um dos melhores tempos de governança, em razão da assoladora crise econômica e também ao avanço das gangues de drogas que dominam cada vez o país.
A esquerda tem prevalecido nos governos na América do Sul: Gabriel Boric (Chile); o ex-guerrilheiro Gustavo Petro (Colômbia); e, mais recentemente, a volta de Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil). Mas, nos últimos tempos, há uma tendência à direita: Santiago Peña (Paraguai) e Luis Alberto Lucalle Pou (Uruguai). No Peru, após a destituição de Pedro Castillo, de esquerda, a atual titular da presidência, para um mandato que só termina em 2026, Dina Boluarte, pode nem concluir o período, se considerarmos que ela é a sexta ocupante do cargo nos últimos seis meses. Vice de Castilho, Boluarte tem se aproximado da direita após chegar ao poder.
Outro exemplo de mudança de rumo político vem do Chile, com a direita assumindo a missão, liderada por José Antonio Kast, de construir a Nova Constituinte. Os temas que levaram Boric à presidência agora abrem caminho aos defendidos pela direita, principalmente na economia e segurança.
Pensamento semelhante tem o povo paraguaio, que teme viver em um país inseguro. Justamente, por isso, prefere ser governado pela direita. Não está sendo fácil para Pedro Castilho governar o Peru, onde sua competência política é questionada e a corrupção deita e rola. Venezuela, Cuba e Nicarágua vivem período de economia desastrosa e com pouca -- com quase nenhuma -- liberdade democrática. O que alimenta desespero e migração, além de “jogar” a responsabilidade por abrigar a sua gente a outros países.
Dessa forma, os povos governados pela esquerda parecem cansados dessa situação e veem na direita uma porta aberta às necessárias mudanças. Ao que parece, os americanos do sul gostam de mudanças e apostam nelas. Eles votam naqueles que prometem bondades sociais, mesmo que não consigam entender como se dará o milagre. Em um primeiro momento, eles acreditam mesmo é no “santo”. Ansiosos por dias melhores nas áreas básicas -- saúde, segurança, emprego, educação -- escolhem, ao que tudo indica, aqueles que entregam a primeira esmola.
Além disso, com o advento das redes sociais, os políticos passaram a, praticamente, pescar o eleitor nos aquários dos debates, onde as verdades e mentiras oscilam a cada momento. Talvez, por isso, a tendência dos eleitores da América do Sul, agora, é, após a frustração com a esquerda, passar a depositar confiança na direita.
A eleição de Daniel Noboa não alterou, ainda, significativamente o xadrez político na América do Sul, que hoje tem oito presidentes de esquerda, três de direita e uma ditadura. A partir de 22 de outubro, com a possível opção dos argentinos por Javier Milei, esse panorama pode começar, de fato, a ficar mais claro.