Editorial
Estudantes e professores devem ter o protagonismo
Nosso grau de prosperidade socioeconômica dependerá muito das condições de ensinar e aprender
Com 2,6 milhões de professores e 74,5 milhões de alunos matriculados em todos os níveis de ensino, o Brasil atingiu um ponto crucial na encruzilhada rumo ao futuro.
As opções são as mesmas de sempre: desviar para caminhos que permitam superar nosso atraso histórico e aproximar-nos dos países mais desenvolvidos ou continuar dando voltas por atoleiros que, a cada ciclo, levam-nos de volta ao ponto de partida.
As nações que conseguiram superar esse impasse mostram que todos os itinerários na direção do êxito passam, necessariamente, pela educação.
A boa notícia é que, com as cifras acima, reveladas nas estatísticas mais recentes do IBGE, os brasileiros têm “meio caminho andado para o sucesso”.
A outra metade depende de políticas públicas comprometidas com os objetivos e do engajamento da sociedade.
Em recente artigo, Eduardo Cervone -- presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) --, lembrou que o nosso grau de prosperidade socioeconômica dependerá muito das condições de ensinar e aprender que proporcionarmos, desde já, a todos os brasileiros.
Em outras palavras, “o horizonte do amanhã só pode ser vislumbrado pelas janelas das salas de aula”.
Conforme Cervone, o ensino delimita a competência do país de capacitar novas gerações preparadas para as transformações do trabalho, da tecnologia e da produção e de promover os ganhos de produtividade e competitividade necessários para ampliar seu protagonismo na economia global.
A discussão do tema é conveniente em qualquer época do ano, mas ganha relevo ainda mais pronunciado na semana que concentra as homenagens aos dois protagonistas desse enredo: as crianças, cuja data se convencionou comemorar em 12 de outubro; e os professores, celebrados neste domingo, dia 15.
Lamentavelmente, os dois condutores do nosso transporte para um futuro mais equilibrado enfrentam dificuldades elementares e alheias às suas vontades, capazes de atrasar ou, pior ainda, inviabilizar todo o trajeto.
Apenas alguns números dessa intrincada equação são suficientes para ligar o sinal de alerta e chamar a atenção dos governantes sobre a necessidade de corrigir a rota imediatamente.
De acordo com o Estudo Internacional de Leitura (Pesquisa PIRS), da Associação Internacional para Avaliação de Conquistas Educacionais (IEA), divulgado em maio último, o Brasil é o 52º classificado em um ranking de 57 países.
Já no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), tivemos um dos 10 piores desempenhos em matemática.
Em leitura, ficamos atrás de 55 nações e, em ciências, abaixo de 65.
Mais preocupante ainda é o resultado do estudo mais recente do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) sobre o analfabetismo.
Os dados divulgados na semana que está terminando mostram uma grande piora da situação no Brasil durante a pandemia causada pelo vírus Sars-CoV-2: a proporção de crianças de 7 anos de idade que não sabem ler nem escrever saltou de 20% para 40%, de 2019 para 2022.
Situação similar à de crianças de 8 anos de idade. De uma taxa de 8,5%, em 2019, houve elevação para 20,8%, em 2022.
Para as crianças de 9 anos de idade, a proporção cresceu de 4,4% para 9,5%, de 2019 para 2022.
A comparação desse recorte com outros números do Censo Escolar tabulados pelo Movimento Todos Pela Educação (TPE) revela que a questão educacional integra um conjunto de causas e efeitos muito mais complexo do que se pode imaginar a princípio.
Por exemplo: 46,3% dos professores do ensino médio do país -- 228 mil, de um total de 494 mil docentes -- dá aulas de disciplinas para as quais não têm formação específica.
O Plano Nacional de Educação (PNE) prevê que todos os professores da educação básica possuam formação específica, de nível superior, até o ano que vem.
Hoje, porém, aproximadamente 24% dos docentes sequer possuem formação de nível superior. Além disso, o problema atinge tanto as redes públicas como as escolas privadas.
Conforme o TPE, encarar o desafio de ter professores com formação adequada envolve não só melhorias nos salários e na carreira docente, de forma a atrair estudantes para os cursos de licenciatura, mas também a qualidade e formato das formações inicial e continuada desses profissionais.
Enquanto esse gargalo não for resolvido, o nível do ensino tem poucas chances de melhorar.
Um estudo elaborado pela Fundação Victor Civita a pedido da Fundação Carlos Chagas revelou que apenas 2% dos estudantes do ensino médio querem seguir carreira no magistério.
Cerca de 32% chegaram a pensar em ser professor, mas desistiram por fatores como a baixa remuneração (citado por 40% dos estudantes), a desvalorização social da profissão e o desinteresse e o desrespeito dos alunos (ambos mencionados por 17%).
E essa falta de interesse pela docência já traz consequências.
Uma estimativa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) aponta que apenas no ensino médio e nas séries finais do ensino fundamental o déficit de professores com formação adequada à área, que lecionam, chega a 710 mil.
Embora o número de cursos de licenciatura tenha crescido, as matrículas não foram suficientes e quase a metade das vagas ficaram ociosas, segundo dados do Censo da Educação do Ensino Superior.
A diferença entre o momento atual e as incontáveis oportunidades perdidas pelos sucessivos governos brasileiros ao longo das últimas décadas é que o tempo simplesmente acabou.
O cenário mundial, agora, é de extrema complexidade e competitividade, diante dos interesses análogos e, em muitos casos, até conflitantes.
A nação que não evoluir estará fadada ao malogro, condenando seus cidadãos a uma doença tão devastadora quanto à Covid-19: o subdesenvolvimento crônico.