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Editorial

A pressa é inimiga da perfeição

Nas eleições municipais, por exemplo, um candidato a vereador vai poder confeccionar material de campanha com o nome de todos os candidatos a prefeito

15 de Setembro de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Minirreforma eleitoral para 2024
Minirreforma eleitoral para 2024 (Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O Congresso Nacional tem praticamente três semanas para decidir as regras para as eleições de 2024. Esse é o prazo para que as mudanças aprovadas pela Câmara dos Deputados já possam ser utilizadas, ano que vem, no pleito que vai escolher prefeitos e vereadores de milhares de cidades pelo País. O texto ainda precisa passar pelo Senado e, se alterado, volta para revisão dos deputados. As modificações foram muitas, algumas bastante polêmicas e podem provocar uma chuva de ações na Justiça.

A minirreforma eleitoral altera o Código Eleitoral, a Lei da Ficha Limpa e reduz a transparência eleitoral e o rigor da prestação de contas. As novas regras também diminuem o tempo de inelegibilidade de candidatos cassados. No campo da publicidade, várias medidas desagradaram. Uma delas permite que o partido contrate uma empresa terceirizada para distribuição de material de campanha. Só que a terceirizada não vai precisar mais divulgar a lista de nomes dos escolhidos para realizar a tarefa. Isso vai permitir que partidos e candidatos indiquem cabos eleitorais para a função. Um exército de correligionários estaria sendo pago, mesmo que indiretamente, com recursos dos fundos públicos de campanha.

Outra mudança aprovada pelos deputados enfraquece, ainda mais, os partidos políticos. Se o texto for mantido, um candidato de um partido ‘A‘ vai poder, livremente, fazer material de campanha com um candidato de um partido ‘B‘, independentemente da ideologia de cada um deles. Nas eleições municipais, por exemplo, um candidato a vereador vai poder confeccionar material de campanha com o nome de todos os candidatos a prefeito. Esse tipo de situação confunde o eleitor que pode escolher um nome que, no futuro, vai poder fazer oposição ao eleito para chefiar o executivo. Essa propaganda, chamada de cruzada, é um desserviço extra à nossa democracia.

Para piorar, as siglas partidárias vão poder financiar as campanhas umas das outras, o que pode dificultar ainda mais o controle de gastos e permitir que candidatos com potencial, em partidos com menor quantidade de recursos, aceitem ofertas tentadoras para exibir o nome de um majoritário que precisa de apoio extra para ter chance de vencer. A força do dinheiro vai falar mais alto durante a campanha.

O projeto aprovado na Câmara também flexibiliza o prazo de inelegibilidade no caso de presidente, governadores e prefeitos que renunciarem aos cargos. O novo texto diz que a contagem de oito anos começa a partir da data da renúncia. Atualmente, o período começa a partir do que seria o fim do mandato.

Todas essas mudanças foram discutidas pelos parlamentares num grupo de trabalho formado há dois meses. O texto, assim que ficou pronto, ganhou carimbo de ‘urgência‘ no plenário da Câmara e foi aprovado por imensa maioria. Várias organizações da sociedade civil protestaram contra a velocidade de discussão da minirreforma e apontaram problemas que prejudicarão a transparência conquistada a duras penas.

No meio de tantos pontos polêmicos, um deles vale ser destacado. O projeto incluiu, através de emenda, o fim dos mandatos coletivos, uma aberração criada no Brasil que distorce a vontade popular. Sem previsão legal, esse tipo de candidatura foi liberada pela Justiça Eleitoral nos últimos pleitos e agora está com os dias contatos pela vontade soberana do Parlamento. A decisão foi uma grande derrota para o Governo já que os partidos de esquerda que fazem parte da base que elegeu Lula foram os inventores desse monstrengo.

Outros temas importantes como a segurança das urnas eletrônicas e o voto impresso ficaram de fora da discussão. O que se viu foi uma tentativa de blindar os políticos eleitos de problemas futuros com a Justiça. O que mais choca em toda essa movimentação é a ausência de uma lei perene, que dure por décadas. E que sirva para balizar todas as eleições brasileiras. Mudar as regras, a cada pleito, não é o melhor caminho para se construir uma sociedade verdadeiramente democrática.

A falta de tempo para uma discussão séria, que garanta uma reforma eleitoral eficiente, vai permitir que novas aberrações sejam incluídas, pelo menos temporariamente, no nosso arcabouço legal. Essas mudanças vão exigir que os eleitores se informem ainda mais sobre os candidatos antes de decidir, nas urnas, quem é o mais indicado para governa-los.