Editorial
Os sábios ensinamentos do Barão do Rio Branco
Com o iminente fracasso das negociações na Índia, o Brasil deve receber a missão de presidir e liderar toda essa confusão
O Brasil vai assumir, no dia 1º de dezembro, a presidência do G20, grupo de países mais ricos do mundo. O mandato é de um ano e o País vai substituir a Índia, que atualmente detém a liderança do grupo.
Em seu último grande ato como chefe do G20, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, enfrenta uma série de dificuldades para conduzir os trabalhos em Nova Délhi. As ausências de figuras importantes como Vladimir Putin, da Rússia, e Xi Jinping, da China, atrapalham qualquer iniciativa de um acordo amplo e geral em prol da humanidade. Além disso, Modi luta para implementar em seu território, ideias populistas e conservadoras. Uma delas é alterar o nome do país de Índia para Bharat. Segundo os defensores da mudança, o nome Índia está muito ligado ao período de domínio do império britânico, um passado que boa parte da população quer esquecer.
O mundo chega a Nova Délhi fragmentado e enfrentando uma série de dificuldades. A China vive um momento de forte crise econômica, com desaceleração do crescimento e muitas empresas atravessando problemas financeiros. A liderança de Xi já tem sido bastante contestada e a flat de uma solução de curto prazo faz com que medidas cada vez mais duras sejam adotadas. Com a economia caminhando a passos de tartaruga, a China prejudica também o comércio com vários outros países.
A Rússia está às voltas com a guerra na Ucrânia. A aventura patrocinada por Putin parecia mais simples quando da tomada da decisão. A invasão se prolonga e não parece haver uma solução para o conflito que possa ser considerada uma vitória russa. Enquanto isso, a Rússia convive com pesadas sanções internacionais, atravancando seu fornecimento global de petróleo, de fertilizantes e de grãos. Sem a renda da venda internacional desses produtos, a economia interna fica bastante fragilizada.
A soma dos problemas com Rússia e China mexe com a economia europeia. A inflação permanece em alta por conta da escassez de energia e de alimentos. A tendência é que a adoção de uma nova alta de juros seja necessária, desagradando, ainda mais, a população que já sofre para conseguir fazer o orçamento doméstico render.
Nos Estados Unidos, Joe Biden vê, no espelho retrovisor, a presença cada vez mais próxima de Donald Trump. Apesar dos inúmeros processos judiciais, a força do republicano parece incomodar o atual presidente. Várias de suas atitudes têm sido contestadas e denotam a fragilidade em administrar uma nação tão grande.
A estratégia do governo dos Estados Unidos nessa viagem é tentar fortalecer os vínculos com a Índia, em meio a uma disputa com a China, enquanto Nova Délhi busca o apoio americano para consolidar sua liderança internacional.
Um comunicado da Casa Branca informa que, na reunião bilateral entre Biden e Modi, foi reafirmado o compromisso dos EUA em apoiar a entrada da Índia como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
Diante desse cenário, a reunião do G20 deve aprovar poucos avanços. Os governantes estão divididos sobre temas cruciais, como a invasão russa da Ucrânia, a meta de abandonar gradualmente os combustíveis fósseis e a reestruturação da dívida mundial. A declaração final do grupo, prevista para ser anunciada hoje (10), deve se concentrar nos poucos pontos onde o acordo é possível.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, tem sido bastante crítico com relação aos conflitos internacionais e disputas entre países. Para ele, o mundo atual se assemelha a uma família “disfuncional”, em meio a uma crescente polarização que pode resultar em mais conflitos.
“As divisões estão crescendo, as tensões estão surgindo e a confiança está se desgastando, o que em conjunto levanta o espectro da fragmentação e, em última instância, do confronto”, alertou Guterres.
Com o iminente fracasso das negociações na Índia, o Brasil deve receber a missão de presidir e liderar toda essa confusão. A dificuldade maior que enfrentaremos é manter a neutralidade num momento em que estamos cada vez mais próximos de Rússia, de China e até do Irã. Que a diplomacia brasileira seja capaz de seguir os ensinamentos do Barão do Rio Branco: “Os vizinhos mais perigosos são os mais atrasados, enfraquecidos pelas discórdias civis ou desnorteados pelas ambições que a tirania inspira”. Que o Brasil esteja sempre ao lado da democracia, dos direitos humanos e das liberdades civis.