Editorial
Independência e transparência
Não existe país democrático onde a Justiça é secreta, existe a democracia: demos é povo, kratos é poder
Hoje o Brasil comemora o aniversário de sua Independência. Faz 201 anos que o País se livrou, nas margens do Ipiranga, de Portugal. A data seria motivo de muita festa se não estivéssemos vivendo um momento tão turbulento de nossa história.
O Sete de Setembro é a data marcada para mostrar nosso orgulho à Pátria, mas, atualmente, está difícil até vestir verde-amarelo. Nos últimos meses, um sem número de brasileiros tem enfrentado problemas por externar os ideais de uma terra livre, sem corrupção e com plena proteção aos direitos individuais.
Enquanto alguns estão na cadeia, ou trajando uma vistosa tornozeleira eletrônica, somente por defender seus ideais, bandidos consagrados, chefes de verdadeiras organizações criminosas, são libertados por filigranas jurídicas, detalhes que não alteram o crime, mas que interrompem o andamento do processo.
Traficantes voltam para as ruas e ainda ganham o direito de receber de volta seus veículos de luxo e helicópteros. Empresários que confessaram bilhões em corrupção, que se apropriaram de dinheiro público, são perdoados.
A reação da população, diante de tais absurdos, está cada vez mais abafada pela pressão e pelas ameaças que vêm de todos os lados. As poucas vozes que ainda se arriscam a denunciar acabam enxovalhadas e banidas das redes sociais.
A chance de recuperamos a plena liberdade é cada vez menor. Não faltam exemplos para provar essa tese. Na terça-feira, 5, o presidente da República em seu programa veiculado nas principais plataformas de internet, defendeu que os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal sejam sigilosos. Se uma regra dessa for aprovada, todos seremos proibidos de conhecer como pensam e como votam os integrantes da estância máxima da Justiça brasileira.
Para o chefe do Executivo, essa seria uma forma de controlar o clima de “animosidade” contra as instituições brasileiras.
A ideia do presidente causou desconforto em alguns de seus mais fiéis defensores. Muitos entenderam que esse tipo de iniciativa contraria a própria Constituição Federal. Além disso, o Executivo estaria invadindo a seara do Judiciário.
As críticas vieram de todos os lados. Juristas como Wálter Maierovitch se posicionaram com veemência. “Países do voto secreto em Corte são antidemocráticos, são as ditaduras”, disse ele. “Não existe país democrático onde a Justiça é secreta, existe a democracia: demos é povo, kratos é poder. O poder é do povo. Daí a conclusão de todos os constitucionalistas: quem comanda é o povo, o povo precisa saber. Quem está decidindo, está decidindo em nome do povo”, destacou Maierovitch.
O ministro aposentado do STF Marco Aurélio Mello classificou a declaração do presidente como “ato falho”. “Ele não pode pensar o que divulgou, que os votos dos ministros sejam sigilosos. Não há espaço para mistério”, afirmou Marco Aurélio. Para o ministro aposentado, a “mola mestra da administração pública é a publicidade”.
De posição oposta, o ministro da Justiça, Flávio Dino, que disputa uma indicação para uma vaga no STF, defendeu o chefe. Dino disse que esse é um “debate válido” e que “em algum momento esse debate vai se colocar”.
As palavras do ministro foram ditas dias depois dele se envolver numa tremenda confusão com a CPMI do 8 de janeiro. Deputados e senadores exigiram que Dino enviasse ao Parlamento as imagens das câmeras do Ministério no dia 8 de janeiro.
Ele protelou, enrolou, até que, encurralado, afirmou de forma vexatória que as imagens de 181 das 185 câmeras tinham sido apagadas. O que mostra que a falta de transparência é um perigo para todos.
Foi o ministro da Justiça que, numa solenidade oficial, declarou que “essa Polícia Federal, hoje, toda ela, está a serviço de uma única causa, que é a sua causa, a causa do Brasil”. O discurso mostra a confusão que está sendo feita entre órgãos de Estado e a política.
Diante desse cenário fica difícil ter ânimo suficiente para celebrar a Independência do Brasil. O momento exige muita reflexão e fé num futuro melhor.